Há pouco tempo, o Tribunal Administrativo julgou três acções de efectivação de responsabilidade civil extracontratual intentadas contra os Serviços de Saúde e o pessoal de médico e de enfermagem, e entre as quais são os seguintes os factos do processo n.º220/13-RA:
Na madrugada do dia 1 de Novembro de 2010, pelas 5H00, devido à ruptura das membranas, a mulher grávida B foi conduzida ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para ser observada antes de parto. No dia 2 de Novembro de 2010, pelas 8H00, o médico D e a enfermeira E iniciaram os seus turnos. Nesse dia, o D, no período entre as 15H00 e as 15H15, dirigiu-se ao quarto de parto para observar a situação da B e foi informado pela E da situação clínica da B (que apresentou “desacelerações prematuras”, entre outros), não tendo o D, contudo, procedido a nenhuma análise à parturiente nem dado qualquer instrução. Logo após a saída do D do quarto de parto, a B apresentou novamente desacelerações repetidas de frequência cardíaca anormal do feto, mas a E não informou imediatamente o médico de turno para acompanhamento, só até cerca das 15H59, quando a mulher grávida voltou a apresentar o abaixamento de frequência cardíaca do feto, para 50 a 60 batimentos por minuto, veio a E a informar D de tal situação. Cerca das 16H05, o D chegou ao quarto de parto e reconheceu o sofrimento fetal, tendo-se decidido a suspender a administração de syntocinon e realizar de imediato do parto cesariano.
O A nasceu às 16H16 altura em que esteve 7 minutos sem batimento cardíaco e 9 minutos sem respiração, que necessitou de proceder-se à reanimação, bem como foi admitido nos cuidados intensivos neonatais por asfixia perinatal. Algumas semanas depois, foi detectado que o A sofria de contracção muscular, sinais clínicos de infecção e icterícia neonatal, finalmente foi-lhe diagnosticada encefalopatia hipóxica-isquémica e ficou a sofrer de paralisia cerebral.
O A (1º autor, representado pelos pais B e C), a B (2ª autora) e o C (3º autor), junto do Tribunal Administrativo, intentaram a acção de efectivação de responsabilidade civil extracontratual pedindo a condenação dos Serviços de Saúde (1º réu), do D (2º réu) e da E (3ª ré) no pagamento do valor total de MOP$4.423.740,93, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, com fundamento em que os D e E, no exercício das suas atribuições no Centro Hospitalar Conde S. Januário, tinham culpa grave e violaram o respectivo código técnico profissional.
O Tribunal Administrativo apreciou o caso. Indicou o juiz que, naquele dia de parto, período entre as 15H00 e as 15H15, quando o 2º réu dirigiu-se ao quarto de parto para observar a 2ª autora, foi informado pela 3ª ré da situação clínica da 2ª autora incluindo o exame da boca uterina, o fornecimento de oxigénio, a administração de syntocinon, bem como a situação de “desacelerações prematuras”, não tendo o 2º réu, contudo, procedido a nenhuma análise à parturiente nem dado qualquer instrução. Sem dúvida, naquela altura, já iniciou o processo de parto da 2ª autora e ocorreu a ruptura das membranas havia mais de 24 horas, perante a situação em que a não interrupção na administração do syntocinon à mulher grávida pode originar as contracções do útero, causando o sofrimento fetal agudo, uma vez que o bebé, com o peso total até 3,9kg, nunca poderia sair naturalmente do canal obstétrico com uma abertura do útero apenas de 2cm. Devia o 2º réu, no momento, medir a boca uterina em nome da mulher grávida determinando atempadamente suspender a administração de syntocinon e preparar-se a realizar um urgente parto por cesárea, a fim de cessar a gravidez. Mais tarde, quando ocorreram outra vez as desacelerações repetidas de frequência cardíaca anormal do feto da 2ª autora, a 3ª ré ainda não se apercebeu dessa situação grave e contínua de o abaixamento de frequência cardíaca do feto, só ajudou a mulher grávida para voltar-se e reduzir o syntocinon, não tendo informado imediatamente o médico de turno para acompanhar o caso. Daí pode-se verificar que o 2º réu e a 3ª ré, no processo de diagnóstico e tratamento, violaram o comportamento rotineiro da profissão médica, não ajuizaram nem agiram de forma tempestiva e adequada nos termos das regras técnicas de obstetrícia e ginecologia, fazendo com que o 1º autor sofresse lesões corporais graves irreversíveis por hipoxia perinatal.
Apesar disso, o juiz indicou que os factos provados nos autos não conseguem revelar que a 3ª ré carecesse da devida atenção, prudência e zelo no exercício das funções, só apenas provam que o 2º réu careceu da devida atenção e zelo que devia ter no exercício das funções, violando assim as regras técnicas profissionais médicas, assim não se pode considerar que o mesmo tivesse negligência grave; pelo contrário, o caso em questão revela que existe uma imperfeição sobre o pessoal de médico e de enfermagem e os arranjos de trabalho nos Serviços de Urgência de Obstetrícia e Ginecologia, do Centro Hospitalar Conde São Januário, causando a que o serviço médico fornecido se mostre insuficiente e de nenhuma maneira não se pode assegurar que os pacientes possam ter um cuidado tempestivo e adequado. Considerou o juiz que, face às supracitadas questões respeitantes ao funcionamento do Centro Hospitalar Conde São Januário, deve ser considerada existência de falta no funcionamento do órgão de saúde pública ou nos serviços, pelo que, nos termos dos art.º 2.º e 4.º, n.º1 do D.L n.º28/91/M, deve o 1º réu assumir a respectiva responsabilidade civil.
Pelo acima exposto, o Tribunal Administrativo julgou parcialmente procedente a acção intentada pelos autores contra o 1º réu ora Serviços de Saúde e o 2º réu D, condenando o 1º réu no pagamento aos autores do valor total de MOP$2.205.791,04 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, resultante da responsabilidade civil extracontratual, bem como das eventuais várias despesas médicas no futuro, absolvendo a 3ª ré E do pedido formulado pelos autores.
Para além do supracitado processo n.º220/13-RA, os autores dos restantes processos n.º217/13-RA (o médico responsável não procedeu tempestivamente à intervenção médica adequada causando a que o sofrimento fetal se tornasse agravante no parto e ficasse o bebé a sofrer de paralisia cerebral) e n.º257/16-RA (o médico de turno não observou a conclusão da cirurgia do parto cesariano dentro de 30 minutos em caso urgente, fazendo com que o bebé sofresse paralisia cerebral por hipoxia perinatal) intentaram respectivamente acções de efectivação de responsabilidade civil extracontratual intentadas contra os Serviços de Saúde e/ou o respectivo pessoal de médico e de enfermagem, pedindo a condenação no pagamento de MOP$10.877.800,00 e de MOP$2.000.000,00, respectivamente, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, tendo as acções também sido julgadas parcialmente procedentes pelo Tribunal Administrativo e os Serviços de Saúde sido condenados no pagamento aos autores do valor total de MOP$5.464.574,17, a título de indemnização por vários danos.
Das sentenças, os réus (os Serviços de Saúde ou o pessoal de médico e de enfermagem) das 3 acções já interpuseram recursos.
Cfr. Sentenças do Tribunal Administrativo n.ºs 220/13-RA, 217/13-RA e 257/16-RA.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
10/01/2018