O Deputado Sou Ka Hou interpôs recurso contencioso de anulação da Deliberação do Plenário da AL nº 21/2017/Plenário, de 04/12/2017, que determinou a suspensão do mandato de Deputado, da Deliberação da Mesa da AL nº 35/2017, de 22/11/2017, que determinou estar o Deputado Requerente em conflito de interesses, com a consequente perda do direito de uso autónomo da palavra durante o debate e exercício do direito de voto do Deputado, da Decisão do Presidente da AL de 30/11/2017 de convocação do Plenário da AL, sem que tivesse sido proferido parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, da Decisão do Presidente da AL de 04/12/2017 de não lhe conceder direito de defesa, da Decisão do Presidente da AL de 04/12/2017 determinando estar o Plenário da AL impossibilitado de limitar temporalmente o período de suspensão do mandato de Deputado. O Deputado requereu ao mesmo tempo a suspensão de eficácia destes actos.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) conheceu dos dois casos.
Relativamente ao recurso contencioso, indicou o relator que, em primeiro lugar, o TSI não dispõe de competência legal para julgar os actos do Plenário da Assembleia Legislativa, pois em lado nenhum do art. 36º da LBOJ ela é conferida ao TSI. No que àquele órgão legislativo respeita, apenas ao TSI foi atribuída competência para as decisões do respectivo Presidente [art. 36º, al. 8), subal. (1)] e Mesa [art. 36º, al. 8), subal. (3)].
Na realidade, não só o TSI não dispõe de competência para sindicar a deliberação do Plenário, nenhum tribunal (nem sequer o Tribunal de Última Instância) dispõe desta competência. O sistema jurídico de Macau não prevê a sindicabilidade das deliberações do Plenário junto dos tribunais ordinários. E esta impossibilidade, desde logo resulta da circunstância de o próprio legislador não ter contemplado hipótese alguma de o Plenário da AL praticar actos administrativos ou em matéria administrativa.
Em segundo lugar, a deliberação do Plenário em apreço não é acto administrativo, visto que não foi proveniente de nenhum órgão da Administração e no exercício de uma função administrativa ou no quadro de uma actuação da administração pública em sentido material. Foi, em vez disso, praticado por um órgão eminentemente legislativo com um enquadramento político. Mais, por si mesma, a deliberação não lhe é lesiva. Aliás, nem sequer a própria condição de deputado ele perdeu com esta deliberação, do mesmo modo que a sua situação remuneratória ficou inteiramente intocada. O acto em questão tem um fim útil e relevante tanto à causa pública, ao ter por missão a defesa da imagem de um órgão de soberania, como à causa privada ao assegurar ao Deputado a possibilidade de se defender no processo criminal em que envolve e provar rapidamente a sua inocência e retomar, quanto antes, a integralidade dos poderes para que foi eleito. A deliberação do Plenário não afectou a esfera do seu conjunto de direitos e deveres, enquanto cidadão e administrado, a qual, como bem se sabe, está a montante da qualidade de deputado e dela é, aliás, independente.
Talqualmente não se trata de um acto oriundo de um órgão em matéria administrativa. A Assembleia reunida em Plenário nem sequer tem competência para matéria administrativa, ao contrário do que é reconhecido à Mesa e ao próprio Presidente.
Salientou o relator, a Assembleia Legislativa faz parte integrante da “estrutura política” da RAEM. Decorre, desde logo, daí a essencial natureza política deste órgão legislativo, sem prejuízo, como é evidente, de outra específica que possa ser reconhecida dos “órgãos de administração” da AL, como sucede com as decisões específicas do “Presidente”, da “Mesa” e do “Conselho Administrativo”. No entanto, escapa ao controlo dos tribunais a actividade do Plenário da Assembleia Legislativa.
A imunidade de que os deputados podem gozar, no sentido de evitar que sejam julgados pelos seus actos, é já uma prerrogativa de cariz político. Isto é, quando a Assembleia ampara, através da deliberação do Plenário, um “seu” deputado, não concedendo a suspensão do respectivo mandato, fá-lo para proteger a instituição no seu todo, para a cobrir da dignidade e prestígio que merece, também para permitir que ela leve a cabo, sem constrangimentos do exterior, a sua acção. No direito comparado, por exemplo, em Portugal, a Procuradoria-Geral da República já se pronunciou no sentido de que a deliberação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da madeira, que aprecia o pedido de autorização para um deputado regional ser ouvido como arguido, reveste a natureza de acto político, e como tal não é sindicável pelos tribunais. Pela mesma razão, igual natureza política tem a deliberação do mesmo Plenário quando o liberta para ser julgado no foro próprio por algum ilícito de que esteja acusado. Por outra palavra, o que a Assembleia fez, através do Plenário, foi um exercício de uma pura acção política. Por conseguinte, nem o TSI, nem nenhum outro tribunal da RAEM pode, sindicar a validade da deliberação do Plenário da AL que suspende o deputado ora requerente, nem no âmbito do recurso contencioso, nem consequentemente para decretar a suspensão da sua eficácia no quadro da providência cautelar.
Em relação aos demais actos indicados pelo recorrente (decisões do Presidente e deliberações da Mesa da AL), como todos estes actos estão inseridos num mesmo “procedimento” tendente à decisão sobre se deveria ou não suspender o mandato do Deputado Sou Ka Hou, são actos preparatórios da deliberação do Plenário em apreço, pelo que recebem exactamente a mesma natureza política. Enquanto tal, padecem da mesma impossibilidade para serem sindicados jurisdicionalmente em qualquer das suas vertentes, anulatória, preventiva ou conservatória.
Face ao exposto, o relator indeferiu liminarmente a petição inicial do recurso contencioso.
Quanto à suspensão de eficácia da respectiva deliberação e outros actos, os três juízes que compõem o Tribunal Colectivo do TSI acordam em absolver da instância os requeridos, nos termos do art.º 33º, nº 2, 2ª parte, 230º, nº 1, al. a) e 413º, al. a), do CPC, porque, à luz do art. 36º, al. 10), da LBOJ, o TSI só é competente para conhecer dos pedidos de suspensão de eficácia relativamente a actos para os quais igualmente disponha de competência para o conhecimento do recurso contencioso; e de acordo com os mesmos fundamentos expostos no despacho do relator que indeferiu liminarmente a petição inicial do recurso contencioso acima referidos, aquele tribunal não tem competência para conhecer do recurso contencioso.
Cfr. Despacho do Relator do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 33/2018 e Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 20/2018.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
4 de Fevereiro de 2018