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O Tribunal, quando solicitado pelo exequente, está obrigado a apurar os saldos bancários do executado e as informações dos seus bens existentes


A atendendo ao facto de B, sociedade por quotas, não lhe ter pagado uma dívida, instaurou contra esta, no Tribunal Judicial de Base, acção executiva para pagamento de quantia certa, requerendo a penhora das eventuais contas bancárias de que B fosse titular, bem como a extracção de informações sobre seus bens existentes. O Juiz do Tribunal Judicial de Base, titular do processo, indeferiu, por despacho, o pedido de A, adiantando que A repetiu o requerimento que vinha fazendo, e que não estando demonstrado que B tivesse qualquer actividade, se antevia que se voltariam a frustrar as diligências requeridas por A. Inconformado, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que o despacho recorrido violou o dever de cooperação, previsto no art.º 8.º, n.º 4, e art.º 722.º do Código de Processo Civil (adiante, CPC) e afectou o direito fundamental de acesso aos tribunais de A, violando, ao mesmo tempo, o art.º 36.º da Lei Básica da RAEM e o art.º 1.º, n.º 2, do CPC.

O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância (TSI) apreciou o caso.

O Tribunal Colectivo sublinhou, desde logo, que o art.º 8.º, n.º 4, do CPC prevê um dever de cooperação por parte do tribunal para com alguma das partes, o qual, enquanto princípio processual legalmente consagrado, é transversal a todo o processo e a todas as espécies e formas processuais. Este princípio geral acaba por ser concretizado especificamente no quadro da execução, no art.º 722.º do CPC. Como se pode constatar a partir da conjugação das duas disposições legais atrás referidas, o tribunal está obrigado a colaborar com a parte exequente, de modo a permitir que esta logre, com êxito, obter a satisfação da sua pretensão. Quando o exequente tenha enorme dificuldade em saber quais os bens penhoráveis de que o executado seja proprietário, o tribunal deverá funcionar como um esteio, um escudo, um cooperante da parte que não tem possibilidade, senão por esta via, de realizar, com êxito, o seu direito. O papel aqui assumido pelo tribunal e que o art.º 722.º n.º 1, do CPC acentua, representa, mais do que um poder, um verdadeiro dever. Ao cominar ao juiz a incumbência de determinar a realização das diligências adequadas, não está o legislador senão a impor ao juiz uma vinculação de cooperar com o exequente, dever esse apenas dependente de uma condição: a de o exequente justificadamente alegar séria dificuldade na identificação ou localização de bens penhoráveis. Este dever de cooperação não deixa ao juiz margem de livre escolha, a não ser na opção pelas diligências que repute adequadas. Na óptica do Tribunal Colectivo, aquele dever plasmado no art.º 722.º, n.º 1, não pode, de maneira nenhuma, reflectir-se na prática de qualquer despacho de mero expediente, tampouco caracteriza o exercício de um poder discricionário, tal como estes conceitos são definidos no art.º 106.º, n.º 4, do CPC.

No caso dos autos, o exequente explicou no seu requerimento que, face ao sigilo bancário, não haveria outra maneira de chegar ao conhecimento dos saldos bancários da executada. Considerou o Tribunal Colectivo que estava suficientemente justificada a pretensão do exequente, daí o exequente ter cumprido a exigência da norma do art.º 722.º, n.º 1, do CPC, restando ao tribunal efectuar a necessária diligência. Concluiu o Tribunal Colectivo que o despacho recorrido interferiu no conflito de interesses entre as partes. Ou seja, ao negar a colaboração solicitada pelo exequente estaria o tribunal a contribuir para que o interesse daquele não se realizasse e acabaria por resultar num benefício da executada, o que seria contrário ao espírito da lei.

Com base nisso, acordaram em conceder provimento ao recurso, revogando, consequentemente, o despacho sindicado e determinando que o tribunal recorrido satisfizesse a pretensão do exequente.

Vide Acórdão do TSI, no processo n.º 273/2017.