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O TUI proferiu a decisão final que condenou dois guardas de “deixa passar” nas penas de 19 anos e 15 anos de prisão


Os 1.º e 2.º arguidos dos autos são guardas do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP). Durante o período de trabalho entre 2016 e 2017 no Posto Fronteiriço do Cotai, aproveitando as suas funções, os dois arguidos usaram os seus poderes ou a sua influência no trabalho, por 17 vezes e por 10 vezes, respectivamente, com base nas suas relações particulares ou para receberem vantagens patrimoniais, prestando auxílio a outrem, pessoal ou juntamente, com os outros arguidos e, utilizando meios ilegítimos ou de violação dos deveres inerentes às respectivas funções, ajudaram, nomeadamente, indivíduos que estavam interditos de entrar em Macau, a entrarem ou a saírem de Macau através de meios ilícitos, via Posto Fronteiriço do Cotai [vulgarmente designados por “compra de passagem da fronteira” e “deixa (pessoa) passar”]. Quando os arguidos prestavam, principalmente, serviço no balcão dos corredores de entrada e saída para veículos, eles providenciavam veículos de matrícula de Guangdong e Macau para transportar os indivíduos clandestinos e tratar das suas formalidades de entrada e saída nos seus balcões, mas sem verificar os seus documentos de identificação; quando os arguidos prestavam serviço no sistema de controlo automático, estes guardas entregavam, previamente, a esses indivíduos os seus Bilhetes de Identidade de Residente de Macau para os utilizar na passagem, via sistema de controlo automático, porquanto necessários para a verificação das impressões digitais; nesse momento, os arguidos fingiam prestar auxílio, recuperando os seus bilhetes de identidade; quando os arguidos prestavam serviço nas passagens de inspecção manual, os mesmos guardas comunicavam aos indivíduos clandestinos que passassem pelos seus balcões para fazer a inspecção manual, ajudando-os a entrar e a sair de Macau; o 1.º arguido divulgou, ainda, a outros informações que importava manter em sigilo e que não eram do domínio público, violando as obrigações inerentes ao pessoal militarizado e não seguindo os procedimentos que regulam o tratamento das formalidades de entrada.

O Ministério Público deduziu acusação contra os dois arguidos pelas práticas do crime de auxílio, do crime de acolhimento e do crime de corrupção passiva para acto ilícito, bem como a imputação ao 1.º arguido do crime de prevaricação, do crime de abuso de poder e do crime de violação de segredo.

Em 27 de Junho de 2018, o Tribunal Judicial de Base (TJB) proferiu acórdão que julgou procedente a maior parte das acusações, passando a condenar o 1.º arguido na prática de: 17 crimes de auxílio, 17 crimes de acolhimento, 21 crimes de corrupção passiva para acto ilícito, 1 crime de prevaricação, 1 crime de abuso de poder e 1 crime de violação de segredo, sendo condenado na pena única de 21 anos de prisão; e a condenar o 2.º arguido na prática de: 10 crimes de auxílio, 9 crimes de acolhimento e 13 crimes de corrupção passiva para acto ilícito, sendo condenado na pena única de 19 anos de prisão.

Inconformados, recorreram os dois arguidos para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que decidiu conceder parcial provimento aos recursos, passando a condenar o 1.º arguido na pena única de 19 anos de prisão e o 2.º arguido na pena única de 16 anos de prisão.

Ainda inconformados, recorreram os arguidos para o Tribunal de Última Instância (TUI). O 1.º arguido alegou que o acórdão recorrido enferma do vício de entendimento erróneo da lei por ter violado o princípio de proporcionalidade na aplicação das penas. O 2.º arguido formulou também as suas motivações: no acórdão recorrido, existe uma aplicação errada da lei; deve convolar os vários crimes imputados para 1 crime continuado; há “concurso aparente” entre crimes de auxílio, de acolhimento e de corrupção passiva para acto ilícito; viola o princípio de proporcionalidade.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.

O Tribunal Colectivo indicou que a conduta do 2.º arguido que ajudou os indivíduos clandestinos a sair, ilegalmente, da RAEM, se enquadra exactamente no referido conceito de “abrigar” do crime de acolhimento, pois foi praticada com a finalidade de não ser descoberta a situação da sua imigração ilegal; assim, que não existia a aplicação errada da lei. E o 2.º arguido, aproveitando-se das facilidades que o exercício das suas funções permitia nos postos de migração, planeou e dispôs as coisas de modo a que as suas actividades criminosas tivessem plena execução, não se deparando nas actividades criminosas que praticou, ou seja, nos crimes tanto de auxílio, como de acolhimento, qualquer diminuição de culpa; assim, não pode ser subsumida à figura do crime continuado. Além disso, os valores, protegidos pelas normas dos crimes de auxílio, de acolhimento e de corrupção passiva para acto ilícito, são bem diversos: a punição dos crimes de auxílio e de acolhimento tem em vista a inerente necessidade do efectivo controlo de entrada e permanência na RAEM e a salvaguarda da segurança de Macau, enquanto, no caso de corrupção passiva, o bem jurídico consiste na salvaguarda da autonomia intencional do Estado, bem como do seu prestígio e dignidade; também pode entender-se que o bem jurídico, protegido pelo crime de corrupção passiva, é a integridade do exercício das funções públicas pelos funcionários; assim, há “concurso real” entre os três crimes que devem ser condenados separadamente. Por fim, quanto à questão da medida da pena, suscitada por ambos os arguidos, é de considerar que a conduta dos arguidos põe, não só em crise a confiança e a expectativa dos cidadãos numa administração pública que existe para servir, com neutralidade, objectividade e eficácia, os interesses públicos gerais, como afecta também, gravemente, o bom funcionamento do sistema de controlo de entrada e saída da RAEM, bem como o prestígio e a imagem das Forças de Segurança da RAEM, já que revelam uma elevada gravidade, a nível de factos ilícitos, dos quais há uma tendência criminosa e não apenas uma pluriocasionalidade; tudo ponderado, o Tribunal Colectivo entendeu que não se afigura excessiva a pena única aplicada ao 1.º arguido; por outro lado, o 2.º arguido praticou menos crimes e não teve a mesma intervenção, o que justifica, por isso, a redução da sua pena única para 15 anos de prisão.

Face ao exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso do 1.º arguido e julgou parcialmente procedente o recurso do 2.º arguido, passando a ser punido com a pena única de 15 anos de prisão.

Vide Acórdão do TUI, no Processo n.º 42/2019.