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O TA julgou improcedentes os pedidos de indemnização deduzidos por centenas de promitentes-compradores de Pearl Horizon contra a RAEM


Centenas de promitentes-compradores de Pearl Horizon intentaram junto do Tribunal Administrativo uma acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra a RAEM, pedindo a condenação da ré a pagar indemnizações aos autores pelo prejuízo do preço da fracção (cujo valor corresponde à diferença entre o preço previsto nos contratos-promessa celebrados com Pearl Horizon e o preço actual para a aquisição das fracções com as mesmas divisórias) ou dobro do sinal que foram pagos, mais as despesas incorridas a título de pagamento dos impostos de selo e das despesas registais, acrescidas de juros legais. Como fundamentos, os autores alegaram que as condutas dos serviços da ré, tais como a colocação sucessiva de um conjunto de novas exigências legalmente não previstas relativas ao estudo de impacto ambiental, e a demora injustificada na pronúncia e na comunicação à POLYTEX do resultado dos respectivos estudos, condutas estas que impediram a conclusão do aproveitamento do respectivo terreno por parte da POLYTEX, conduziram à declaração de caducidade da concessão e inviabilizaram por conseguinte o cumprimento dos contratos-promessa de Pearl Horizon por parte da POLYTEX face aos promitentes-compradores, causando prejuízos aos autores.

O Tribunal Administrativo conheceu dos casos.

O Tribunal fez notar que os autores nunca adquiriram o direito de propriedade das ditas fracções autónomas, por consequência, não se podem arrogar titularidade de qualquer tipo de direito real em relação às mesmas fracções, uma vez que os contratos-promessa celebrados entre os autores e a POLYTEX carecem da eficácia real. O que eles adquiriram é meramente um direito de crédito ou obrigacional, resultante dos contratos-promessa de compra e venda. Assim, com a relatividade do direito de crédito, este vale apenas inter partes, e não seria de reconhecer ao crédito um efeito externo em relação a terceiros. O direito de crédito ou obrigacional dos autores só pode ser ofendido pelo devedor, o qual se contrapõe ao direito absoluto de propriedade, ou erga omnes, que é susceptível de lesão por qualquer pessoa. A responsabilização de terceiro por lesão do crédito dos outorgantes do contrato só é possível quando se esteja perante os casos especialmente previstos na lei, ou uma situação em que o terceiro conhece a relação especial entre o credor e o devedor e se trate de actuação especialmente censurável, e em particular quando se esteja perante situações de abuso de direito.

In casu, a ré ocupa a posição jurídica de terceiro alheio em face do direito de crédito alegadamente lesado, uma vez que a ré nunca interveio nos contratos-promessa de compra e venda outorgados entre os autores e a POLYTEX e que a ré é apenas a parte do contrato da concessão de terreno celebrado com a POLYTEX. O referido contrato da concessão é um contrato administrativo, e os terceiros poderão propor a acção sobre validade dos contratos administrativos, na medida em que a esfera jurídica dos terceiros é susceptível de ser lesada pelas actuações dos contraentes em função das cláusulas contratuais ilegais, ou propor a acção sobre execução dos contratos, apenas quando tenham sido estabelecidas as cláusulas contratuais que visem proteger os seus interesses. É evidente que da celebração do contrato de concessão de terreno entre a RAEM e a POLYTEX não poderá decorrer nenhum direito subjectivo ou interesses legalmente protegidos para os promitentes-compradores, para além de que nem se revela ter sido alegada a existência das cláusulas contratuais que lhes atribuam direitos reivindicáveis em face da Administração Pública. Assim, de acordo com a tese da relatividade de crédito, bastaria o aludido para afastar a responsabilidade da ré pelos danos reclamados.

Além disso, as condutas imputadas à ré, alegadas pelos autores, mesmo que fossem verdadeiras, não seriam aptas a indiciar a existência de uma actuação culposa da ré para com os autores. Pois, uma coisa é saber se a ré tinha culpa no decurso da execução do contrato de concessão para com a POLYTEX, coisa diversa é se a mesma agia culposamente perante os promitentes-compradores, com que não se deve confundir.

Finalmente, não se verificou qualquer situação de abuso de direito, pelas seguintes razões: o alegado conhecimento da ré da existência dos contratos-promessa já celebrados pelos autores e a sua consciência da provável lesão do crédito destes pela respectiva actuação, mesmo que fossem verdadeiros, não seriam suficientes para demonstrar que a ré actuou manifestamente contra a regra de boa-fé ou com intenção de os prejudicar; não existe também a violação de bons costumes, porque a actuação da ré era simplesmente limitada ao exercício dos direitos conferidos pelo seu estatuto de concedente no âmbito do contrato de concessão e ao exercício dos suas funções legalmente atribuídas, para além de que o acto da declaração da caducidade da concessão de terreno em causa é legalmente vinculado, cuja legalidade já não se discutiria; também não parece que a conduta alegada da ré exceda manifestamente os limites impostos pelo fim social ou económico do direito, porque não se conhece nenhum desvio da funcionalidade no exercício dos direitos por parte da ré.

Pelo exposto, o Tribunal Administrativo julgou improcedentes as acções e em consequência, absolveu a RAEM dos pedidos formulados pelos autores.

Segundo a estatística, o Tribunal Administrativo recebeu, em 2019, um total de 66 processos destes, estando em causa 370 promitente-compradores. Foram julgados, com sentenças proferidas, 60 processos, respeitantes a 349 promitente-compradores, em que todos foram julgados improcedentes, tendo sido a RAEM absolvida dos pedidos formulados pelos autores. Mais, o Tribunal homologou os pedidos de desistência apresentados pelos autores nos 4 processos.

Cfr. as sentenças dos Processos n.º 372/19-RA, 352/19-RA e 359/19-RA do Tribunal Administrativo (casos representativos).

Secretaria do Tribunal Administrativo

17/07/2019