O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) concluiu o “Relatório de investigação sobre a concessão dos empréstimos de apoio à Viva Macau – Sociedade de Aviação, Limitada pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização”, não se tendo verificado que alguém tivesse violado dolosamente disposições penais nos respectivos processos. No entanto, na apreciação e aprovação dos pedidos dos empréstimos da Viva Macau, os respectivos serviços não exigiram a integridade dos documentos de pedido apresentados, nem avaliaram a capacidade de liquidação dos empréstimos do requerente, de forma rigorosa, encontrando-se também falta de rigor na verificação dos requisitos e na supervisão das garantias de liquidação dos empréstimos. O CCAC considera que os respectivos trabalhadores da função pública responsáveis pela apreciação e aprovação, bem como pelo acompanhamento e supervisão do caso dos empréstimos não cumpriram empenhadamente as suas funções nem as suas responsabilidades.
Em Julho de 2018, o Conselho Administrativo do Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização (FDIC) remeteu ao CCAC as informações relativas ao caso da concessão dos empréstimos à Viva Macau. Seguidamente, o CCAC procedeu à instauração de um inquérito, a fim de efectuar uma revisão integral do processo da concessão de empréstimos de apoio, partindo de várias perspectivas, nomeadamente do ponto de vista das infracções criminais, das infracções administrativas e da responsabilidade disciplinar.
O relatório apresenta, de forma detalhada, o desenvolvimento da concessão dos cinco empréstimos de apoio à Viva Macau pelo FDIC no valor total de 212 milhões de patacas entre 2008 e 2009. O CCAC constatou que a Air Macau, afectada igualmente pelo tsunami financeiro da altura, tinha pedido também apoio ao Governo da RAEM. Em 2009, o Governo da RAEM, enquanto sócio da Air Macau, concedeu apoio à mesma sociedade através da injecção de um montante de cerca de 215 milhões de patacas. Relativamente à Viva Macau, considerando que o encerramento daquela sociedade privada iria provocar um impacto negativo tanto para viajantes com bilhetes reservados como para o próprio mercado de turismo de Macau, o Governo da RAEM decidiu conceder apoio financeiro sob a modalidade de concessão de empréstimo sem juros através do FDIC.
O Conselho Administrativo do FDIC era constituído por cinco membros. Para além do Director dos Serviços de Economia e do representante da Direcção dos Serviços de Finanças, previstos legalmente, os restantes três membros eram todos da Direcção dos Serviços de Economia. Para cada pedido de empréstimo de apoio apresentado pela Viva Macau ao FDIC, foi elaborado um relatório pela Direcção dos Serviços de Economia, o qual foi discutido em reunião do Conselho Administrativo do FDIC, sendo esse relatório aprovado posteriormente pelo então Secretário para a Economia e Finanças ou pelo então Chefe do Executivo. No entanto, os diversos membros em questão afirmaram ao CCAC que não possuíam conhecimentos profissionais sobre a exploração e operação financeira da indústria da aviação. Aquando da apreciação e aprovação dos pedidos de empréstimo da Viva Macau, não foram tomadas em consideração outras disposições aplicáveis, ou seja, não foi criada uma comissão de apreciação, integrando indivíduos com experiência profissional na respectiva área, nem foram convidados profissionais que pudessem contribuir para a tomada de decisões para participar nas reuniões.
O CCAC constatou também que os documentos da Viva Macau estavam dispersos e desorganizados, e que as informações relativas às transacções bancárias e aos registos contabilísticos estavam fragmentadas e incompletas. Existiam apenas, entre as contas contabilísticas, demonstrações financeiras não auditadas por auditores. Por sua vez, a sócia qualificada da Viva Macau a “Eagle Airways Holdings Limited”, apresentou livranças como garantia, mas as autoridades competentes nunca examinaram de forma rigorosa a sua capacidade de reembolso. Para além disso, não foi efectuada uma avaliação financeira da Viva Macau, sendo que aquela sociedade nunca cumpriu qualquer dos acordos de empréstimo e, mais ainda, pediu continuadamente o adiamento das datas de liquidação dos mesmos. A par disso, uma parte do valor do empréstimo de apoio foi utilizada, na altura, para pagar os mútuos concedidos anteriormente à sociedade por alguns administradores da Viva Macau a título particular, ao invés da utilização directa do respectivo montante para o melhoramento da situação de exploração da sociedade em conformidade com as exigências do acordo de apoio celebrado com o FDIC, e não foi apresentado, dentro do prazo fixado, ao FDIC o relatório sobre a aplicação concreta dos respectivos montantes de apoio, tal como estipulado no acordo. São todos estes actos violadores do acordo de empréstimo e tal poderá fazer incorrer em responsabilidade civil contratual. Foi justamente devido a esta atitude negligente no trabalho dos membros do Conselho Administrativo do FDIC que, perante a atitude não colaborativa da Viva Macau, se fez parecer que não existia nenhuma medida para lidar com a situação, colocando assim a Administração Pública num estado completamente passivo durante todo o incidente dos empréstimos.
No relatório, o CCAC efectuou uma análise sobre os actos da Viva Macau, bem como dos seus sócios e administradores, no sentido de determinar se existiram, ou não, actos violadores de disposições penais, designadamente que fossem enquadráveis no conceito de burla, de emissão de cheque sem provisão, de falência intencional, de falência não intencional, de frustração de créditos, de favorecimento de credores ou de corrupção activa. Veio a apurar-se que os indivíduos em causa não elaboraram demonstrações financeiras e contas contabilísticas rigorosas relativamente à Viva Macau, podendo esta conduta consubstanciar um crime de falência não intencional. No entanto, o direito à apresentação de queixa desse crime já se encontra extinto devido ao facto de o respectivo prazo ter já expirado. Para além disso, não há indícios suficientes que demonstrem que os restantes actos praticados apresentassem elementos constitutivos dos eventuais correspondentes crimes.
Para além disso, o CCAC efectuou também uma análise sobre os actos dos membros do Conselho Administrativo do FDIC e dos trabalhadores da Administração Pública envolvidos nos procedimentos e, face às provas existentes, não se apurou que se verificassem os elementos legais constitutivos dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito, de abuso de poder ou de prevaricação.
No entanto, o CCAC considera que, relativamente aos respectivos actos das entidades e dos trabalhadores em questão, existem algumas questões que merecem revisão e reflexão ao nível da ilegalidade administrativa, da irregularidade administrativa e até da necessidade de aperfeiçoamento legislativo.
O CCAC constatou ainda que, desde a aprovação do primeiro pedido de empréstimo, a Viva Macau ignorou as diversas solicitações do FDIC a cada pedido posterior, adiando sempre a apresentação de contas contabilísticas e de relatos financeiros auditados por auditores ou contabilistas. No entanto, o FDIC aceitou tal actuação e, uma vez após outra, continuou a propor a aprovação da concessão dos empréstimos de apoio à Viva Macau. Para além disso, quer o FDIC, quer a respectiva entidade tutelar, não levaram a cabo ou promoveram a apreciação da capacidade de liquidação da “Eagle Airways” – avalista dos empréstimos. Tratando-se de uma sociedade privada estabelecida fora de Macau, considera-se surpreendente que tenha sido permitido ao seu representante assinar, na qualidade de avalista, as respectivas livranças como garantia sem que ninguém tenha procurado saber, de forma séria, qual a sua situação financeira. Obviamente, no decorrer do processo de apreciação e aprovação dos pedidos de empréstimos da Viva Macau, encontram-se graves insuficiências na recolha de documentos, na análise de informações, na exigência com a qualidade de relatórios, bem como nos trabalhos de supervisão, faltando obviamente um acompanhamento eficaz e apertado.
O CCAC indica que a Viva Macau não é uma das pequenas e médias empresas previstas nas respectivas disposições legais vigentes e os respectivos trabalhadores da função pública que trataram o caso dos empréstimos em questão deviam saber claramente que esses pedidos de apoio financeiro careciam de um fundamento legal que pudesse ser directamente citado, ainda assim, não ordenaram a realização de quaisquer estudos ou análises jurídicos neste sentido, limitando-se a elaborar simplesmente uma proposta de aprovação, tendo por base o facto de que o pedido em causa estava em conformidade com a finalidade prevista no Regulamento do Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização. Para além disso, não foi realizada nenhuma análise sobre a situação financeira da “Eagle Airways” – a avalista destes empréstimos de valor consideravelmente elevado, facto crucial que teve como consequência que o FDIC não tenha conseguido posteriormente cobrar, com sucesso, as dívidas junto da avalista na sequência da declaração de falência da Viva Macau. Os actos praticados pelos trabalhadores da função pública em causa revelam descuido, deficiência, negligência e foram mesmo omissivos, o que configura obviamente responsabilidade disciplinar ou demonstra o não cumprimento das devidas responsabilidades e deveres de supervisão.
Por último, o CCAC sugere uma promoção e um aperfeiçoamento, com a maior brevidade possível, do sistema de supervisão no âmbito da utilização de apoios do FDIC, com recurso a uma regulamentação própria por via legislativa, e sobretudo é necessário criar um mecanismo completo de garantia dos empréstimos, estabelecendo expressamente que os empréstimos de montantes elevados concedidos pelo FDIC devam ser garantidos por activos com capacidade efectiva de pagamento, devendo também proceder-se à apreciação rigorosa dos activos dos avalistas, assegurando assim que os empréstimos concedidos possam ser pagos através desses activos nos casos de não pagamento pontual pelos devedores, evitando, deste modo, o dispêndio de recursos para iniciar procedimentos legais que, em última análise, se demonstram infrutíferos na recuperação dos empréstimos. Simultaneamente, sugere também que é necessário criar um mecanismo de alerta e controle de risco indispensável para garantir que os fundos públicos da RAEM não sejam alvo de abuso em virtude de uma supervisão não rigorosa e de situações de excesso de confiança. O CCAC chama a atenção a todos os dirigentes e trabalhadores da função pública da RAEM, independentemente dos seus conteúdos funcionais e dos seus cargos, para garantir a observância do dever de isenção dos trabalhadores da função pública no exercício de funções, com vista a assegurar uma imagem de imparcialidade e de integridade dos dirigentes e trabalhadores da função pública.
O relatório de investigação já foi submetido ao Chefe do Executivo nos termos da lei. O texto integral encontra-se disponível para download na página electrónica do CCAC.