Em 2018, durante a investigação dum caso de criminalidade organizada, os investigadores da PJ descobriram, através de escutas telefónicas, que A, quando exercia, na altura, as funções de investigador criminal, se aproveitou do seu cargo e sem autorização ou consentimento do superior, através do folhear dos autos guardados nos armários de documentos da Secção de Prevenção e Investigação de Crimes relacionados com o Jogo da Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo da PJ, para aceder ao sistema informático, instalado nessa Secção e utilizado pelos seus trabalhadores, e exigir que os colegas da mesma Secção lhe fornecessem dados dos autos e cópias; consultou e adquiriu, assim, dados confidenciais de processos penais não relacionados com o seu trabalho e propiciou-os a outrem, revelando indevidamente informações dos casos. O Ministério Público deduziu acusação contra A.
Apreciado o caso, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou A pela prática dum crime de violação de segredo de justiça, p. p. pelo art.º 335.º, n.º 1, do CPM, conjugado com o art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, na pena de 1 ano de prisão efectiva. A, inconformado, recorreu para o TSI, imputando à decisão condenatória uso de prova inválida, excesso manifesto na medida da pena e outros vícios.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso.
Relativamente ao uso de prova inválida, o Colectivo apontou que, a respeito da problemática de escutas telefónicas, podiam citar-se as teses jurídicas de outros processos, ou seja “se as escutas telefónicas foram ordenadas e efectuadas quando nos autos se investigava um crime de associação secreta, as mesmas mantêm-se válidas, mesmo que, em momento posterior, se venha a deduzir acusação pela prática de um crime punível com pena inferior a três anos de prisão”, e “não há meio de prova proibido, não ocorre nulidade de escutas telefónicas, se não há intercepção ilícita e gravação de escutas telefónicas não autorizadas”. No caso dos autos, as escutas telefónicas referidas no juízo de facto da decisão recorrida foram autorizadas por despacho do Juiz do Juízo de Instrução Criminal, que se fundamentou nos relatórios da PJ sobre a indispensabilidade da realização de escutas telefónicas para investigação dos factos, pelo que não se pode imputar à respectiva autorização a falta do requisito postulado na parte final do proémio do n.º 1 do art.º 172.º do CPP. Além disso, o recorrente indicou que acabou por ser condenado pela prática de crime punível com pena de prisão de limite máximo não superior a três anos e já não de criminalidade organizada que motivou então a autorização das escutas telefónicas. In casu, tal fundamento não tem a virtude de invalidar as escutas já realizadas, nem de afastar a livre convicção do Juiz sobre a possibilidade da legalidade do resultado dessas escutas.
Quanto à qualificação jurídico-penal e determinação da medida da pena, indicou o Colectivo que o Tribunal recorrido proferiu a decisão depois de ter examinado todas as provas constantes dos autos e com base na factualidade assente, pelo que é correcta a condenação de A no crime de violação do segredo de justiça, dada a prova bastante já feita que suporta bem essa condenação; por outro lado, ponderados todos os factos dentro do quadro da medida da pena legal e tendo em conta também as circunstâncias concretas de A (que, aquando da prática dos factos, desempenhava as funções de investigador criminal da PJ), bem como as inegáveis exigências da prevenção geral (do crime de violação do segredo de justiça por pessoal investigador criminal oficial), o Tribunal recorrido já fez o juízo de toda a decisão na matéria da medida da pena, incluindo o juízo de valor quanto à opção da pena de prisão, e decidiu aplicar a pena efectiva de prisão, sendo prejudicada, assim, mais a indagação sobre o pedido de substituição da pena de prisão por multa.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo julgou improcedente o recurso.
Cfr. Acórdão do Processo n.º 1295/2019 do Tribunal de Segunda Instância.