O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) divulga o “Relatório de investigação sobre os portões rolantes corta-fogo do Edifício do Bairro da Ilha Verde”, segundo o qual não se encontraram provas que demonstrassem a prática de qualquer ilegalidade por parte de qualquer serviço ou órgão no âmbito das obras adicionais de substituição dos portões rolantes corta-fogo do referido Edifício, não se tendo verificado também qualquer violação do princípio da legalidade no procedimento de adjudicação das respectivas obras. A par disso, os preços praticados correspondiam também aos preços do mercado naquela altura, pelo que não se verificaram manifestas ilegalidades ou irregularidades administrativas. No entanto, o CCAC duvida da necessidade de substituição dos portões rolantes corta-fogo, considerando que não se verificou que os serviços ou órgãos públicos em causa se tenham esforçado por encontrar outras vias para resolver o problema, acabando por desperdiçar os portões rolantes corta-fogo que tinham sido instalados há pouco tempo, portões esses que tiveram um custo total de mais de 4 milhões de patacas. O CCAC critica o problema relacionado com a coordenação e a cooperação existente entre os serviços públicos, problema esse ressaltado neste caso, ou seja, verificou-se que, o IH não cumpriu com rigor o papel de coordenador atribuído pela “Lei da habitação económica”; a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e o Corpo de Bombeiros (CB), no decorrer de todo o processo, não procederam à comunicação dos critérios da classe de resistência ao fogo dos portões rolantes corta-fogo ao Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI) ou ao Instituto de Habitação (IH); a DSSOPT e o CB não informaram também ao GDI que podia adoptar um plano alternativo para satisfazer as exigências legais relativas à segurança contra incêndios. Tudo isto fez com que as obras de construção do Edifício do Bairro da Ilha Verde tenham sido apreciadas, executadas e reparadas como se fossem “grãos de areia soltos”. Os serviços ou órgãos em causa não demonstraram ter conhecimento suficiente sobre a legislação relativa às suas próprias competências, actuando cada um destes serviços ou órgãos à sua própria maneira, sendo que a falta de comunicação, entre os serviços, conduziu ao aparecimento de situações de “isolamento de informação”, o que deve merecer a atenção dos serviços competentes e de todo o Governo da RAEM.
Entre finais de 2018 e o início de 2019, o Edifício do Bairro da Ilha Verde, uma habitação económica, devido ao facto dos portões rolantes corta-fogo instalados no seu estacionamento na cave e no seu pódio não estarem em conformidade com as exigências estabelecidas, não foi aprovado nos procedimentos de vistoria. Na sequência de uma reunião de trabalho interdepartamental, foi decidida no fim a substituição de 100 portões rolantes corta-fogo, sendo o preço da obra mais de 12 milhões de patacas. Tendo em consideração que o caso se tornou foco de atenção da sociedade, suspeitando-se da prática de actos ilícitos, o CCAC tem prestado muita atenção ao mesmo, e como foram recebidas sucessivamente queixas e opiniões de cidadãos e de associações diversas, teve lugar, sucessivamente, a instrução de processos de inquérito e de sindicância, com vista a realizar uma investigação aprofundada sobre o caso. Durante a investigação, foi solicitado, junto do IH, da DSSOPT, do GDI, do CB e até junto de entidades privadas, um grande volume de documentos e informações, tendo sido ouvidos também os depoimentos do pessoal de direcção e chefia, bem como dos trabalhadores em causa, com vista a apreciar e analisar a existência, ou não, da prática de actos ilícitos, ou de ilegalidade ou irregularidade administrativa neste caso.
O CCAC refere que nos termos do “Regulamento de Segurança contra Incêndios”, os portões rolantes corta-fogo utilizados nas obras de construção de edifícios devem ter função de isolamento térmico e de fogo. No entanto, durante a fase de apreciação e aprovação do projecto da obra de construção do Edifício do Bairro da Ilha Verde, bem como no pedido de aprovação de materiais relativos aos portões rolantes corta-fogo, não se verificou que o GDI ou o CB tenham emitido qualquer parecer desfavorável contra os portões rolantes corta-fogo a utilizar. No processo de construção, o CB também nunca manifestou, de forma expressa, nos seus pareceres, qualquer posição em relação à questão do desempenho do isolamento térmico, sendo que o CB e a DSSOPT só apresentaram os respectivos problemas após a conclusão de todos os procedimentos de instalação dos portões rolantes corta-fogo aprovados a utilizar e após a declaração da conclusão da obra.
O CCAC constatou que o CB e a DSSOPT já tinham chegado a um consenso, pelo menos, em Fevereiro de 2017, segundo o qual as exigências relativas à função de isolamento térmico poderiam ser satisfeitas através de um plano alternativo, desde que as condições para a evacuação de pessoas e para a prevenção da propagação de fogo não fossem inferiores às inicialmente exigidas. Todavia, tendo sido levantado o problema relativo aos portões rolantes corta-fogo do Edifício do Bairro da Ilha Verde, os referidos dois Serviços, para além de exigirem ao GDI a substituição dos portões, não apresentaram outras soluções. O CCAC considera que, para que a obra de construção do Edifício do Bairro da Ilha Verde ficasse em conformidade com as disposições do “Regulamento de Segurança contra Incêndios”, a decisão do GDI relativa à substituição dos portões rolantes corta-fogo respeitou o princípio da legalidade. No entanto, tendo permitido ao sector a adopção de um plano alternativo, na prática, o CB e a DSSOPT exigiram insistentemente ao GDI a substituição dos portões, o que suscitou inevitavelmente dúvidas junto da população sobre a razoabilidade desta decisão.
Relativamente à adjudicação directa da obra de substituição dos portões rolantes corta-fogo ao empreiteiro inicial, o CCAC considera que, o facto de a vistoria e recepção na generalidade da obra de construção do Edifício do Bairro da Ilha Verde não terem podido ser feitas após a conclusão da obra, não revela nada de errado no tratamento da substituição dos portões rolantes corta-fogo enquanto obra complementar ou trabalho adicional à obra de construção inicial. Para além disso, devido ao facto de que o empreiteiro inicial não tinha deixado ainda a obra e, sendo o empreiteiro aquele que apresentava vantagens no domínio do projecto de construção do edifício e da instalação dos portões rolantes corta-fogo existentes, poderia aquele problema ser assim tratado de forma mais rápida e adequada. Mais ainda, de acordo com o estudo de mercado levado a cabo pelo CCAC, os preços por metro quadrado dos portões rolantes corta-fogo de fecho motorizado com funções de corta-fogo e de isolamento térmico, em formas de duplos carris e de monocarril, variavam entre 5.000 e 8.000 patacas. Comparando os preços apresentados pelo empreiteiro com os anteriormente referidos, não se verificou um desvio significativo dos preços do mercado. O CCAC não verificou a existência de quaisquer factos violadores da lei, nem qualquer ilegalidade ou irregularidade administrativa no procedimento de adjudicação da obra adicional por parte do GDI.
No entanto, o CCAC entende que o IH e o GDI desconhecem as suas próprias competências no âmbito da construção de habitação económica. A “Lei da habitação económica” confere ao IH a competência de supervisão e coordenação geral sobre a construção de habitação económica. Este Serviço passou de uma identidade com características de utilizador ou de representante de utilizador, para uma identidade com características de promotor da construção de habitação económica. No entanto, em todo o processo da construção do Edifício do Bairro da Ilha Verde, tanto o IH como o GDI, responsável pela fiscalização dos trabalhos de execução concreta das obras, não tomaram a iniciativa de intervir através de actos ou medidas articuladas entre si. O pessoal destes dois Serviços tratou o IH meramente como um utilizador, cabendo, na prática, ao GDI a responsabilidade exclusiva dos trabalhos de fiscalização, supervisão e coordenação das obras.
Segundo a investigação do CCAC, verifica-se que antes de Abril de 2017, os materiais dos portões corta-fogo ou das portas corta-fogo de todos os edifícios de Macau possuíam apenas a garantia da função de corta-fogo, na medida em que a função de isolamento térmico não era obrigatoriamente exigida, porque o CB considerava que a probabilidade de um incêndio resultar da energia térmica irradiada através das portas é muito baixa de acontecer, por outro lado, a DSSOPT fez um estudo comparativo dos regulamentos de Hong Kong, Inglaterra e Portugal, nos quais são geralmente admissíveis os portões corta-fogo/portas corta-fogo que têm apenas função de corta-fogo mas sem função de isolamento térmico, todavia, tal não impede a adopção de critérios mais rigorosos em Macau. Em finais de 2016, o Departamento de Urbanização da DSSOPT alterou os requisitos anteriores para a vistoria e recepção de obras, passando a exigir ao dono de uma obra privada a apresentação de informações que façam prova de que os portões rolantes corta-fogo possuíam a função de isolamento térmico, sob pena de não aprovação no procedimento de vistoria e recepção. Posteriormente, aquele Departamento da DSSOPT chegou a um consenso com os representantes do CB numa reunião realizada em Fevereiro de 2017, ou seja, ambas as partes concordaram que através de instruções, o sector pode apresentar um plano alternativo para aprovação no procedimento de vistoria e recepção, desde que as condições relativas à garantia da evacuação de pessoas e de impedimento da propagação do fogo não sejam inferiores às exigidas anteriormente. No entanto, aquele Departamento da DSSOPT, após o decurso de um período de tempo relativamente longo, não deu instruções concretas para pôr em prática o respectivo consenso nem sequer informou o Departamento de Edificações Públicas, também subunidade da DSSOPT, desse consenso, por forma a uniformizar a prática de todo o Serviço, o que provocou que em algumas obras públicas não tenha sido implementado, no mesmo período, o critério relativo à classe de resistência ao fogo dos portões rolantes corta-fogo já adoptado. Por outro lado, a DSSOPT nunca comunicou ao GDI nem a outros serviços o referido assunto, o que resultou no surgimento do problema com os portões rolantes corta-fogo do Edifício do Bairro da Ilha Verde.
O CCAC refere ainda que, de acordo com a lei, no processo da construção de habitação económica, é necessário obter parecer ou relatório de fiscalização do CB, que inclua o teste de resistência ao fogo dos portões rolantes corta-fogo. No entanto, o CB considera sempre que os seus pareceres não são vinculativos e que quanto à implementação das normas relativas à classe de resistência ao fogo de portões rolantes corta-fogo, tal deve ser competência da DSSOPT e, por isso, cabe apenas ao CB prestar colaboração na sua execução, pelo que, assim sendo, nunca apresentou claramente quaisquer opiniões nos seus pareceres ou relatórios de fiscalização. No parecer datado de Abril de 2018, para responder ao GDI sobre o relatório do teste de resistência ao fogo do material dos portões rolantes corta-fogo do Edifício do Bairro da Ilha Verde, e no relatório de fiscalização aos equipamentos sociais do pódio do Edifício do Bairro da Ilha Verde datado de Outubro do mesmo ano, em relação à classe de resistência ao fogo do material, apenas se escreveu respectivamente: “sendo necessário ouvir a DSSOPT”, e “sendo necessário ouvir a entidade competente”. Após a investigação do CCAC, determinou-se que o pessoal da DSSOPT tinha interpretado, tal como era o seu entendimento habitual, as expressões acima referidas como se significassem que “Os respectivos portões rolantes corta-fogo não têm capacidade de isolamento térmico”. Em 7 de Novembro de 2018, na reunião realizada com os representantes do CB, do IH e do GDI, a DSSOPT referiu que os portões rolantes corta-fogo do edifício não tinham sido aprovados nas acções de vistoria e recepção por falta de capacidade de isolamento térmico, pelo que exigiu ao GDI a substituição de todos os portões. Apesar disso, noutro projecto de habitação económica – Edifício Fai Ieng, cujo procedimento de vistoria foi iniciado quase no mesmo período, foram igualmente instalados portões rolantes corta-fogo sem função de isolamento térmico, no entanto, com base na falta de dados relativos ao teste de resistência ao fogo dos referidos portões emitidos pelo GDI, o CB não procedeu à respectiva inspecção conforme é prática habitual, como também não fez constar, naquele relatório de fiscalização, a afirmação seguinte: “sendo necessário ouvir a entidade competente”. O Departamento de Urbanização da DSSOPT entendeu que o CB não tinha intenção de levantar problemas sobre a função de isolamento térmico dos portões rolantes corta-fogo no procedimento de vistoria do Edifício Fai Ieng, emitindo, por isso, de imediato a respectiva licença de utilização dessa habitação económica.
O CCAC considera que, a interpretação efectuada pelo CB sobre os artigos do “Regulamento de Segurança contra Incêndios”, sobretudo sobre se existem ou não problemas de desconformidade com a lei no que respeita aos portões rolantes corta-fogo, reveste-se obviamente de natural autoridade. Embora a legislação vigente não determine expressamente que os pareceres emitidos pelo CB sejam legalmente vinculativos, o n.° 7 do artigo 7.° do “Regulamento de Segurança contra Incêndios” dispõe que, dos pareceres relativos à segurança contra incêndios que fundamentam as decisões de licenciamento, tomadas pela DSSOPT, cabe recurso nos termos gerais, pelo que, os referidos pareceres não são de todo desprovidos de efeitos vinculativos ou externos. Por outro lado, na realidade, o “Regulamento de Segurança contra Incêndios” não obriga a que se proceda à divisão de compartimentações corta-fogo e à instalação de portões rolantes corta-fogo dentro dos parques de estacionamento, sendo que os requisitos mais exigentes foram definidos através do consenso alcançado entre os serviços de obras públicas e os serviços de bombeiros. Tendo em conta que os serviços competentes estavam determinados em adoptar critérios mais rigorosos para proteger a segurança pessoal e dos bens dos cidadãos, o consenso alcançado nessa matéria deveria ter sido objecto de comunicação entre todos os serviços envolvidos, partilhando as respectivas informações, evitando assim situações de “isolamento de informação” devido à falta de comunicação entre os serviços, e não levando a que o problema da eficácia de corta-fogo dos portões rolantes viesse a ser apontado apenas na fase final de vistoria e recepção das obras de construção do Edifício do Bairro da Ilha Verde.
Na parte final do relatório, o CCAC manifesta o seu contentamento pelo facto de o Governo da RAEM ter incluído o “Regime jurídico de segurança contra incêndios em edifícios e recintos” no plano legislativo do ano financeiro de 2020, no âmbito do qual se procederá à redefinição da área de competência da DSSOPT e do CB, atribuindo ao CB competências de fiscalização e sancionatória, entre outras, no âmbito da segurança contra incêndios. Por outro lado, o CCAC propõe que, pelo menos o pessoal de chefia dos serviços públicos deve focar no conhecimento da regulamentação jurídica relativa aos serviços ou órgãos onde presta funções, podendo até ser ponderada a realização de acções internas de divulgação jurídica. Além disso, para cumprir o princípio e o espírito de protecção da vida e dos bens dos cidadãos consagrados no “Regulamento de Segurança contra Incêndios”, o CB deve também conhecer bem o âmbito da sua própria autoridade profissional, verificando rigorosamente a conformidade das situações, e fiscalizando cabalmente as matérias de segurança contra incêndios nas obras de construção, com vista a apresentar, de forma clara e precisa, pareceres sobre a segurança contra incêndios aos respectivos serviços. A DSSOPT, por sua vez, deve proceder à comunicação atempada, junto do sector ou dos serviços públicos relacionados, dos critérios de execução da lei ou das alterações das soluções a adoptar no âmbito das obras de construção, no sentido de elevar a transparência e assegurar a consistência da execução da lei. Em relação à forma de tratamento da questão da classe de resistência ao fogo dos portões rolantes corta-fogo, a DSSOPT e o CB, depois de chegarem a um consenso, devem divulgá-lo internamente e ao público, reforçar o contacto entre as diversas subunidades orgânicas, bem como proceder à interacção periódica para troca de informações junto do sector e dos demais serviços ou órgãos envolvidos nas obras de construção. Por último, o CCAC espera que o Governo da RAEM, através dos factos demonstrados no presente caso, aprenda com a experiência, e aproveite a oportunidade de apreciação da nova lei para dar importância e desenvolver a coordenação e cooperação entre os diversos serviços. Os serviços devem estabelecer activamente contactos entre si, deixando de se concentrarem exclusivamente nas suas próprias competências e no âmbito do seu próprio trabalho, devendo possuir uma atitude imparcial e ter uma consciência de consideração global, a fim de poderem tratar devidamente, e em conjunto, os assuntos públicos e assegurar efectivamente o interesse público.
O Relatório foi submetido ao Chefe do Executivo para efeitos de referência. O texto integral do Relatório está disponível para ser descarregado na página electrónica do CCAC.