A e B casaram em Macau no dia 10 de Fevereiro de 1981 segundo os usos e costumes chineses, mas não efectuaram a inscrição do seu casamento no registo civil. No ano de 2000, os dois apresentaram pedido de divórcio por mútuo consentimento ao Juízo; este notificou os dois requerentes para apresentar, no prazo de 10 dias, o documento comprovativo sobre a inscrição do seu casamento, celebrado na Conservatória do Registo Civil segundo os usos e costumes chineses, nos termos do artigo 5.º do preâmbulo do Código do Registo Civil. Os dois responderam não terem efectuado a inscrição do casamento conforme a norma indicada, entendendo que o casamento era válido mesmo que não tivesse sido inscrito no registo civil e só não produzia efeitos em relação a terceiros. Portanto, na óptica deles, o casamento podia ser dissolvido através de acção de divórcio por mútuo consentimento. Todavia, no entendimento do Juízo, o respectivo registo era obrigatório para efeitos de divórcio. Tendo em conta que, na acção de divórcio por mútuo consentimento, o facto de casamento podia ser invocado para efeitos de actos de registo civil ou para fins de identificação, conjugado com o facto de não ter sido inscrito o casamento que fora contraído entre os requerentes antes do dia 1 de Fevereiro de 1984, o Juízo indeferiu o pedido de divórcio por mútuo consentimento por não se lograr provar o casamento entre os dois.
Inconformados, os dois requerentes recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, imputando à decisão a errada interpretação e a aplicação da lei.
Após ter apreciado o recurso, o TSI referiu: Nos termos do disposto, tanto no art.º 2.º da Lei n.º 11/82/M, como no art.º 179.º do Código do Registo Civil de 1983, os casamentos celebrados em Macau entre contraentes de nacionalidade exclusivamente chinesa, segundo os respectivos usos e costumes, são válidos, mas só produzem efeitos em relação a terceiros após a sua inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil. O que quer dizer que a lei então vigente, não sancionava a inobservância da regra que impõe a obrigatoriedade da inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil com a invalidade do casamento, mas sim se limitava a fazer subordinar ao suprimento no futuro da omissão da inscrição obrigatória a produção dos seus efeitos perante terceiros. Os casamentos, celebrados segundo os usos e costumes chineses, já celebrados antes da entrada em vigor do Código do Registo Civil, aprovado pela Lei n.º 14/87/M, nos termos prescritos pelo disposto, sucessivamente, no art.º 2.º da Lei n.º 11/82/M, no art.º 202.º e s.s. do Código do Registo Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 61/83/M, no art.º 6.º da Lei n.º 14/87/M, e no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 59/99/M, podem ser judicialmente invocados em acção de divórcio entre os contraentes e provados por qualquer meio de prova sujeito à livre apreciação.
Por conseguinte, o TSI entendeu que, em vez de indeferir liminarmente a presente acção, o Tribunal a quo deveria admitir liminarmente a acção, investigar a causa de pedir, mediante a livre valoração das provas apresentadas, a fim de decidir, a título de questão prejudicial, quanto à existência jurídica ou não do casamento e só após o que se decidiria quanto ao deferimento ou não do requerido divórcio.
Nos termos e fundamentos acima expostos, o Tribunal Colectivo concedeu provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e determinando a remessa dos autos ao Tribunal a quo para a prossecução da acção.
Cfr. Acórdão proferido no processo n.º 1107/2020 do Tribunal de Segunda Instância.