No dia 25 de Junho de 2019, A e B conduziam automóveis ligeiros na faixa de rodagem esquerda na Ponte da Amizade em direcção à península de Macau, e o veículo de A circulava atrás do veículo de B. Quando B virou o veículo para a faixa da direita, A também aumentou a velocidade do veículo e virou para a faixa da direita, com intenção de ultrapassar o veículo de B, mas não teve sucesso. Depois, A virou de novo para a faixa da esquerda, e desviou o seu veículo para se aproximar muito do veículo de B e ultrapassá-lo. Por não conseguir controlar a velocidade e manter uma distância suficiente, a aludida manobra de A provocou o embate entre o seu veículo e a frente lateral esquerda do veículo de B, causando danos aos dois veículos. A, tendo conhecimento da ocorrência do acidente, voltou de imediato para a faixa da esquerda e acelerou o veículo para abandonar o local. A referida situação foi gravada pela câmara instalada no veículo de B, que parou imediatamente o veículo e chamou a Polícia. A foi acusado da prática dum crime de condução perigosa, p. p. pelo art.º 279.º, n.º 1, al. b) do CPM, e dum crime de fuga à responsabilidade p. p. pelo art.º 89.º da Lei do Trânsito Rodoviário. Após julgamento, o Tribunal Judicial de Base absolveu A do crime de condução perigosa, e condenou-o, pela prática do crime de fuga à responsabilidade, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, com sanção acessória de inibição de condução por 1 ano e 6 meses, bem como no pagamento de indemnização ao ofendido B.
Inconformado, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, indicando que na formação da sua convicção, o Tribunal recorrido valorou uma prova legalmente proibida, ou seja o conteúdo da gravação sonora e visual feita pela câmara instalada no veículo do ofendido.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, indicando, primeiro, que a gravação feita pela câmara instalada no veículo do ofendido não é susceptível de violar o disposto na Lei n.º 2/2012 (Regime jurídico da videovigilância em espaços públicos), nem na Lei n.º 8/2005 (Lei da Protecção de Dados Pessoais). Entendeu o Colectivo que, por força do disposto no art.º 80.º, n.º 2 e n.º 5 do Código Civil, a utilização para efeitos de investigação criminal, de imagens e sons captados pela câmara privada instalada previamente no veículo automóvel não carece do consentimento da própria pessoa abrangida por essas imagens ou sons, uma vez que a condução rodoviária em via pública não pode ser considerada como integrante da vida privada da pessoa condutora; além disso, as referidas normas, conjugadas com o art.º 30.º, n.º 1 do CPM, afastam a possibilidade de verificação de crimes de gravações e fotografias ilícitas previstos no art.º 191.º do CPM. Foi utilizado o respectivo conteúdo de gravação para efeitos de justiça (inclusivamente de investigação criminal), pelo que se verifica a legalidade da prova prevista no art.º 112.º do CPP, que garante também o carácter lícito de formação da convicção do Tribunal recorrido com base nessa prova, e da consequente condenação do recorrente pelo crime de fuga à responsabilidade. Improcede, pois, o recurso nesta parte relativa à prova proibida.
Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em julgar improcedente o recurso.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 741/2021.