A é residente permanente da R.A.E.M., nasceu em Macau, bem como tem residido e trabalhado em Macau. Toda a vida dela está centrada e focada na R.A.E.M. A casou-se em 2016 com B que é canadiano. Após o casamento, A e B elegeram Macau como o centro fixo da sua vida e como a sua residência habitual. Em 2017, B obteve a autorização de residência na R.A.E.M., com fundamento na junção conjugal. O pai de B vive no Canadá, padecendo de diabetes. Em Fevereiro de 2020, A e B deslocaram-se ao Canadá, visitando e cuidando do pai de B. Por motivos de trabalho, eles decidiram em conjunto que B seria o primeiro a voltar a Macau em Julho do mesmo ano e que A permaneceria temporariamente no Canadá para cuidar do pai de B. Posteriormente, A regressou a Macau em Março de 2021.
Em Novembro de 2020, B pediu a renovação da autorização de residência. O Secretário para a Segurança apontou que A e B não coabitavam em Macau, não preenchendo a finalidade inicial da autorização de residência. Na justificação exigida, B esclareceu que A precisava de permanecer no Canadá para cuidar do pai dele devido à pandemia de COVID-19. Face a isto, entendeu o Secretário para a Segurança que tal conduta era uma opção pessoal, sendo insuficiente a justificação apresentada. Ademais, A encontrava-se fora de Macau no momento em que o Secretário para a Segurança proferiu a decisão, pelo que concluiu o Secretário para a Segurança que, na altura, não havia indícios de que, em curto período de tempo, A regressaria a Macau para coabitar com B. Baseando-se nos factos acima expostos, o Secretário para a Segurança indeferiu o pedido de B. Da decisão do Secretário para a Segurança B recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância. No entendimento do Ministério Público, o recurso contencioso interposto merece provimento, devendo a decisão do Secretário para a Segurança ser anulada.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, manifestando a sua plena concordância com o parecer emitido pelo MP e assinalando que a “coabitação” é um conceito jurídico que não dispensa uma análise casuística das concretas circunstâncias que em cada situação ocorram. A “falta de coabitação” visa, objectivamente, a separação dos cônjuges em lugares diferentes e a ausência de vida em comum entre os mesmos, e, subjectivamente, o propósito de um dos cônjuges ou ambos de não restabelecer a vida em comum. Sem este elemento subjectivo não pode falar-se de quebra do dever de coabitação conjugal. Na opinião do Tribunal Colectivo, por força do art.º 1534.º do Código Civil, os cônjuges podem ter residências separadas, visto que a emigração de um dos cônjuges para um outro país e a separação deste do outro cônjuge por largos períodos de tempo não desencadeiam a quebra da comunhão de vida, nem do dever de coabitação. A Administração limitou-se a verificar que, objectivamente, A e B se separaram, de forma efectiva, durante um período de aproximadamente 9 meses, mas não demonstrou que essa separação correspondesse, juridicamente, a uma separação de facto, bem como nada indicia que A e B tivessem o propósito de não voltarem a viver juntos em Macau, verificando-se o vício de erro nos pressupostos de facto na decisão do Secretário para a Segurança.
Em face de todo o que ficou exposto e justificado, em conferência, acordaram no Tribunal Colectivo em julgar procedente o recurso contencioso, anulando-se o acto administrativo recorrido.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 395/2021.