A sofria de poliomielite desde tenra idade, é portador de deficiência física grave e foi abandonado pelos pais. Em Abril de 2001, foi despedido pelo seu empregador, impossibilitando-o de pagar o empréstimo da habitação por falta de rendimento, tentou procurar emprego na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, mas não obteve resposta. Face às dificuldades económicas, em 2005, vendeu a habitação económica para efectuar o pagamento do empréstimo bancário, das despesas de condomínio e do dinheiro emprestado pelos amigos. Em 2021, A apresentou ao Instituto de Habitação a candidatura a habitação social e solicitou a dispensa do requisito impediente, por ter adquirido a habitação económica. Conforme o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 25 de Maio de 2021, A foi adquirente de habitação económica, este facto está abrangido pelo requisito impediente de candidatura a habitação social previsto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019 (Regime jurídico da habitação social) (doravante designado por “RJHS”), bem como A não apresentou provas suficientes que demonstrassem que as dificuldades económicas fossem o motivo da venda da habitação económica, não se verificando a reunião das condições da dispensa do requisito impediente previsto no n.º 2 do artigo 8.º do RJHS, pelo que foram indeferidos o referido pedido e a candidatura apresentados por A. Inconformado, do decidido A recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.
No que concerne à questão de incompetência, segundo o Tribunal Colectivo, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 6.º do Regulamento Administrativo n.º 30/2020, ao IH compete a apreciação da habilitação das candidaturas a habitação social e o seu indeferimento. Aliás, nos termos do disposto no art.º 1.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2013, vislumbra-se que o IH e a RAEM são duas pessoas colectivas públicas distintas, enquanto o Secretário para os Transportes e Obras Públicas é um órgão administrativo da RAEM. Embora o IH esteja sujeito à tutela do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, ao abrigo do art.º 2.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2013, o indeferimento das candidaturas a habitação social não é uma matéria tutelada, por conseguinte, a decisão de indeferimento da candidatura a habitação social proferida pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas invadiu a esfera de competência do IH, sendo esta uma incompetência absoluta. Tal decisão é nula, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo. Quanto à questão de averiguação dos factos, à luz do Tribunal Colectivo, nos termos dos artigos 86.º, n.º 1, e 59.º do Código do Procedimento Administrativo, cabe à Administração o ónus de esclarecer, tanto quanto possível, os pressupostos de facto da decisão, e proceder às diligências instrutórias necessárias, com vista a descobrir a verdade e, em consequência, proferir uma decisão justa e exercer correctamente os poderes discricionários, mesmo que o procedimento administrativo seja peticionado por iniciativa do interessado. No caso sub judice, a Administração não procedeu, tanto quanto possível, à averiguação dos factos alegados por A e da questão de preenchimento ou não do requisito previsto no n.º 2 do art.º 8.º do RJHS, violando as supracitadas normas preceituadas no Código do Procedimento Administrativo.
Em face de todo o que ficou exposto e justificado, em conferência, o Tribunal Colectivo do TSI acordou em conceder provimento ao recurso, declarando nula a decisão de indeferimento da candidatura de A à habitação social e anulando a decisão de indeferimento do pedido de dispensa do requisito impediente previsto no n.º 2 do artigo 8.º do RJHS, formulado por A.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 753/2021.