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Entende-se por má-fé a consciência, por parte do devedor e do terceiro, do prejuízo que o acto de alienação causa ao credor


Em 2016, A emprestou, sucessivamente, várias quantias a B. A fim de proteger os direitos e interesses de A, B, através de procuração, conferiu a A poderes sobre várias propriedades suas, incluindo a fracção X. Devido ao incumprimento, por B, da obrigação de pagamento da dívida, A deduziu, em 2 de Dezembro de 2016, no Tribunal Judicial de Base, a acção de execução contra B para reclamar o pagamento da quantia total de MOP16.557.328,52. Em 13 de Dezembro de 2016, B, C e a companhia D celebraram o contrato de cessão da posição contratual do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, pelo qual, com o consentimento da companhia D, B cedeu a sua posição de promitente-compradora da aludida fracção X a C. E antes disso, B alienou, respectivamente, nos dias 2 e 12 de Dezembro de 2016, os direitos sobre uma outra fracção e outros bens à companhia de que C era sócio e ao próprio C. Depois do decretamento, pelo TJB, do arresto da fracção X, A intentou de novo a acção declarativa no TJB, contra B, C e a companhia D, pedindo para declarar nula a cessão da posição contratual relativa à fracção X, e subsidiariamente, declarar ineficazes os contratos celebrados entre B e C em relação a A (impugnação pauliana). Após o julgamento, o Juízo Cível do TJB julgou improcedente a acção intentada por A, absolvendo os réus dos pedidos formulados.

Inconformada, A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Após conhecimento, o Tribunal Colectivo do TSI concedeu provimento parcial ao recurso, e passou a julgar procedente a impugnação pauliana deduzida por A e declarou que a cessão da posição contratual de promitente-compradora da fracção X de B para C é ineficaz perante A, mantendo-se a sentença a quo na parte restante.

Inconformados com o assim decidido, B e C recorreram para o Tribunal de Última Instância, considerando que não estavam preenchidos os requisitos legais para a impugnação pauliana, por ausência da má-fé prevista pelo art.º 607.º do Código Civil.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso, indicando que, nos termos do art.º 607.º do Código Civil, “o acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má-fé”, e “entende-se por má-fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”. Dito por outras palavras, a lei exige que existe má-fé quando, tanto o devedor como o terceiro tenham consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, e o legislador não previu a indispensabilidade do fim de impedir a satisfação do crédito do credor. Entendeu o Colectivo que, os factos dados como provados pelo Tribunal a quo não demonstraram apenas que o recorrente C tinha consciência da singela possibilidade do prejuízo causado pelo seu acto ao credor, mas o recorrente sabia que “poderia” – ou “iria” – ser produzida tal consequência, e diminuída a garantia patrimonial do crédito, sendo assim reflectida a má-fé do recorrente C. No que diz respeito à má-fé da recorrente B, indicou o Colectivo que, conforme os factos provados, mesmo que a autora e B tivessem chegado a acordo sobre o valor da dívida e o pagamento em prestações, posteriormente, B deixou de atender as chamadas telefónicas da autora e do seu marido, nem deu resposta alguma às mensagens deles exigindo o reembolso; ao mesmo tempo, 10 dias depois da instauração da acção executiva pela autora, B alienou a posição contratual de promitente-compradora da fracção X a C, ainda que por um preço de mercado normal, não se demonstrando, no entanto, que B tinha intenção de destinar o dinheiro obtido para o pagamento da dívida. Na falta de prova de que B possua bens penhoráveis de igual ou maior valor, o Colectivo considerou que, era impossível que B não soubesse o prejuízo a causar ao credor/autora pelo seu acto de alienação, e dos factos provados e do senso comum se pode presumir razoavelmente a má-fé de B. Com base nisso, o Colectivo entendeu que estavam preenchidos todos os requisitos legais para a impugnação pauliana deduzida pela autora, e a decisão recorrida não interpretou e aplicou erradamente o art.º 607.º do Código Civil.

Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso dos dois recorrentes.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 129/2021.



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