Em 28 de Outubro de 2020, a Polícia Judiciária recebeu um relatório enviado por uma entidade denominada “National Center for Missing and Exploited Children” dos Estados Unidos da América, com um videograma anexo sobre pornografia de menor, resultante e com base em denúncia do “Facebook”. Em seguida, foi instaurado o inquérito penal. Segundo a factualidade dada por provada nessa sentença, A enviou, através do “Facebook Messenger”, aquele videograma para um terceiro, para este o visionar. O Tribunal Judicial de Base condenou A como autora material de um crime consumado de pornografia de menor p. e p. pelo art.º 170.º-A, n.º 2, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à quantia diária de 70 patacas, no total, assim, de 12.600 patacas de multa. Inconformada, veio A recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que o acórdão recorrido padecia dos vícios de valoração de prova proibida, erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.
Alegou A que ela foi condenada pelo TJB com base num relatório estrangeiro que continha videograma interceptado pelo “Facebook”, entretanto, nenhum tribunal do ordenamento da Região Administrativa Especial de Macau ordenou ou autorizou, nos termos dos artigos 172.º e 175.º do Código de Processo Penal, a interceptação do mesmo. Por conseguinte, no entendimento de A, o TJB, ao ter valorado o teor de tal relatório e o conteúdo desse vídeo para efeitos da formação da convicção sobre os factos, apreciou uma prova proibida. Conforme o Tribunal Colectivo, como é facto notório, no uso do “Facebook”, a generalidade dos utilizadores, nomeadamente para efeitos de comunicação com outrem, têm de aceitar todas as regras de uso da plataforma, incluindo as atinentes à fiscalização de actos, considerados pela plataforma como ilícitos, de transmissão de materiais contendo pornografia de menor, podendo a plataforma, segundo essas regras, interceptar esse tipo de materiais, e denunciá-los à entidade competente, a aceitação das ditas regras de uso já equivale à concordância expressa e concreta a actos de intercepção e de denúncia a praticar pela plataforma, concordância essa que é legalmente admissível, por não estar em causa qualquer matéria indisponível para quem de direito. Logo, são legais os actos de intercepção e denúncia praticados pela referida plataforma, não violando o disposto no art.º 113.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e é igualmente legal a valoração do conteúdo do relatório em questão efectuada pelo TJB, podendo o mesmo tribunal apreciar livremente o teor do relatório, à luz do art.º 114.º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, apontou o Tribunal Colectivo que o acórdão recorrido não enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada por o TJB ter indicado na fundamentação fáctica do acórdão recorrido quais os factos provados e quais os não provados. Acrescentou ainda o Tribunal Colectivo que, no julgamento dos factos, o TJB não violou nenhuma norma jurídica sobre o valor legal da prova, nem regra alguma da experiência da vida humana, nem tão-pouco as leges artis, não se verificando o vício de erro notório na apreciação da prova.
Destarte, acordaram no TSI em negar provimento ao recurso.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 554/2022.