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TUI: o acto de representação aparente é protegido por lei por não ter sido provada a má-fé dos compradores


A, proprietário da fracção X num determinado edifício sito em Macau, para efeitos de venda ou rentabilização da fracção, comprometeu-se a encarregar B de actos de mediação imobiliária relativamente à fracção. Em 8 de Fevereiro de 2016, A assinou uma procuração a favor de B nos EUA, para a venda da fracção. Em 29 de Fevereiro de 2016, B assinou, na qualidade de representante de A, o contrato-promessa de compra e venda da referida fracção com quatro compradores. Em 7 de Abril de 2016, B assinou, em representação de A, a escritura pública de compra e venda e facilidades bancárias com hipoteca. Em consequência da referida escritura pública e para pagamento do preço, os quatro compradores emitiram e entregaram a B cinco cheques e livranças bancárias, na sequência dos quais, a fracção autónoma em causa foi registada a favor dos compradores e hipotecada a favor do Banco C.

Após a conclusão da transacção, A propôs acção declarativa de condenação em processo ordinário contra os quatro compradores e o Banco C no Tribunal Judicial de Base, pedindo que se declarasse ineficaz o respectivo acto de compra e venda relativamente a A.

O Tribunal Judicial de Base julgou parcialmente procedente a acção por parcialmente provada e decidiu finalmente declarar ineficaz a escritura pública de compra e venda da fracção X celebrada no Cartório do Notário Privado em 7 de Abril de 2016 e em consequência nula a inscrição relativa à mesma fracção; reconheceu ser o autor titular do direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção da fracção X, condenando os réus a reconhecê-lo como tal e a restituir a fracção livre e devoluta de pessoas e bens ao autor.

Os quatro compradores interpuseram recurso para o Tribunal de Segunda Instância contra a referida decisão. Tendo conhecido do processo, o Tribunal de Segunda Instância reconheceu válida a referida procuração e considerou que o autor agiu com abuso do direito, pelo que julgou procedente o recurso, anulando a sentença recorrida do Tribunal Judicial de Base e julgando improcedentes todos os pedidos formulados pelo autor.

Posteriormente, o autor interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância, alegando que a procuração é nula por vício de forma e dessa nulidade decorre, consequentemente, que o negócio celebrado pelo mediador imobiliário não o vincula, sendo-lhe ineficaz ao abrigo do art.º 261.º, n.º 1 do Código Civil de Macau, porquanto tal se consubstanciaria numa “representação sem poderes”.

O Tribunal de Última Instância conheceu do caso. De acordo com o Tribunal Colectivo, in casu, é a lei da R.A.E.M. que regula a existência ou não da procuração, como o acto de autenticação lavrado pelo notário na procuração em causa não satisfaz todos os requisitos previstos na lei notarial de Macau, é nula a procuração. Aliás, não obstante a nulidade formal da procuração, é evidente que a mesma demonstra, cabalmente, que, materialmente, houve uma clara declaração por parte do ora recorrente, destinada ao seu representante B, onde aquele reconhecia todos os efeitos dos actos praticados por este. Por outras palavras, o facto de a procuração ser formalmente nula, não implica a inexistência da declaração pelo recorrente efectivamente feita naquele documento. O negócio celebrado pelo mediador do recorrente, atípica e aparentemente investido de poderes de representação, (por conta de uma procuração nula por vício de forma), é eficaz, sendo oponível ao recorrente, através da aplicação indirecta da figura do abuso do direito, por conta do que resulta quer do art.º 644.º do Código Comercial quer do art.º 261.º, n.º 2 do Código Civil.

Reafirmou o TUI que a referida procuração, outorgada pelo recorrente de livre e espontânea vontade, foi, igualmente, voluntariamente aceite pelo mediador, e, pelos recorridos natural e conscientemente aceite como acto que legitimava o mediador imobiliário a agir em nome do recorrente na escritura pública de compra e venda. Todas estas circunstâncias não se podem negar nem apagar por conta de um mero vício de forma da procuração, decorrente do facto da mesma ter sido outorgada no estrangeiro, sujeito a um regime jurídico distinto, e que terá influenciado a formalização daquele acto.

Por outro lado, ao contrário do que pretende insinuar o recorrente, não existe nenhum facto nos autos que permita extrair a conclusão de que os recorridos actuaram de má-fé, ademais, era ao recorrente que competia ter alegado e provado factos dos quais se pudesse concluir pela má-fé daqueles. Porém, nada disso foi feito, de nada valendo as insinuações ou conclusões que faz em sede do recurso para o TUI.

Mal se compreenderia, aliás, que a lei não viesse a tutelar a posição dos recorridos que legitimamente confiaram numa procuração pelo recorrente no estrangeiro outorgada com a sua assinatura reconhecida por notário estrangeiro em documento com apostilha, e que só é nula por vício de forma em face das regras de Direito Internacional Privado da R.A.E.M., no âmbito da representação voluntária e da sua sujeição ao direito material da Região.

De resto, toda esta questão é suscitada pelo recorrente sem que se perceba, exactamente, qual é o interesse que visa acautelar, pois que nem sequer se mostrou contrário ao negócio celebrado pelo seu mediador imobiliário.

Indicou o TUI que os ditames da boa-fé impunham a ratificação do negócio celebrado pelos recorridos e o pretenso representante. Por isso, o negócio é-lhe eficaz tanto de acordo com o art.º 644.º do Código Comercial de Macau, como nos termos do n.º 2 do art.º 261.º do Código Civil de Macau.

Pelo exposto, acordam no Tribunal Colectivo do TUI, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 170/2020.



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