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A natureza da residência da família não se altera com a separação de facto dos cônjuges


A e B efectuaram o registo do casamento no Interior da China em 20 de Dezembro de 2002. Após o casamento, A, B e seu filho moraram sempre juntos num apartamento situado no Edifício X, 21.º andar L. Em Março de 2017, B abandonou o aludido apartamento, enquanto A e o filho continuaram a morar lá. Em Agosto de 2017, A trocou a fechadura do apartamento. Em 26 de Janeiro de 2018, B vendeu o apartamento a C, celebrando a escritura pública de compra e venda, enquanto A e o filho ainda moravam no apartamento em apreço. Em Março e Abril de 2018, o abastecimento de água e o fornecimento de energia eléctrica foi suspenso, portanto, A e o filho sucessivamente tomaram de arrendamento os outros dois apartamentos do mesmo Edifício, agora A passou a utilizar simultaneamente um outro apartamento e o apartamento L do 21.º andar do mesmo Edifício.

A intentou uma acção no Tribunal Judicial de Base contra B e C, requerendo a declaração da nulidade do negócio jurídico praticado por B e C em 26 de Janeiro de 2018 e da respectiva escritura pública de compra e venda. C deduziu o pedido reconvencional, requerendo ao Tribunal que declarasse que C era proprietária legítima e legal do apartamento em causa, bem como ordenasse à Autora que entrezasse o apartamento e pagasse a indemnização a C. Findo o julgamento, o TJB julgou parcialmente procedente a acção intentada pela Autora contra os dois Réus, anulando o negócio de compra e venda da fracção do “21.º andar L” entre os ditos Réus celebrado, julgando assim procedente o pedido subsidiário da Autora, e, improcedente o pedido reconvencional pela 2.ª Ré deduzido.

Inconformados, recorreram os Réus do decidido para o Tribunal de Segunda Instância, e, por seu turno, o TSI negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformados, os Réus interpuseram recurso para o Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação do decidido assim como a procedência do seu deduzido pedido reconvencional.

O TUI conheceu do caso, apontando que a residência da família é a sua sede que constitui a residência habitual principal do agregado familiar. Uma separação de facto dos cônjuges resultante da ruptura da comunhão de vida que o casamento visa não desqualifica de imediato e automaticamente a residência do agregado familiar, que não passa tão só por isso a deixar de constituir a casa de morada da família. Na verdade, o art.º 1648.º do Código Civil e o art.º 1249.º, n.º 4 do Código de Processo Civil apoiam suficientemente que, para uma determinada casa de morada, a separação de facto ou o divórcio dos cônjuges não levam necessariamente à perda da sua posição de residência da família. A razão não é de difícil percepção, mesmo que os cônjuges estejam separados e um deles já tenha saído da residência da família, é muito possível que os filhos ainda tenham a casa de morada original como centro da vida, merecem protecção os interesses do cônjuge e dos filhos que ainda moram na residência da família.

In casu, da matéria de facto resulta claramente que a Autora e o 1.º Réu, casados desde 2002, e o filho de ambos, nascido em 2004, moraram, juntos, na fracção do “21.º andar L” até Março de 2017. E, não obstante provado estar que o 1.º Réu saiu de casa em dia incerto de Março de 2017, assim como igualmente provado está que em Agosto de 2017 a Autora trocou a fechadura da porta de fracção, tal em nada altera o estado de coisas, pois que a Autora e o filho do casal, continuaram a morar na fracção em questão como antes vinham fazendo até ao negócio da sua compra e venda entre os Réus efectuado em 26 de Janeiro de 2018. Destarte, até à referida data, a fracção do “21.º andar L” não deixou de ser a casa de morada da família, censura não merece a decisão recorrida que, dando correcta aplicação ao estatuído nos artigos 1548.º e 1549.º do Código Civil de Macau, anulou a dita compra e venda por falta de consentimento da Autora.

Com efeito, a mera separação de facto entre os cônjuges não extingue de imediato o direito à casa de morada da família de qualquer um dos cônjuges que, em boa verdade, persiste enquanto o seu destino não for objecto de acordo ou decisão judicial.

Destarte, adequada se apresentando a decisão do TSI, à vista está igualmente a solução para o pedido reconvencional da 2.ª Ré que, necessariamente, teria que ser julgado improcedente por evidente ausência de qualquer base legal.

Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordaram o Tribunal Colectivo do TUI em negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

Cfr. o acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 110/2022.



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