No dia 23 de Setembro de 2009, a Região Administrativa Especial de Macau e um Consórcio formado por uma empresa portuguesa e duas empresas francesas assinaram um contrato de Prestação de Serviços de Gestão de Projecto e Assistência Técnica para a Implementação da 1.ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau (doravante designado por contrato). Por carta datada de 31 de Março de 2010, foi o Consórcio notificado do despacho do Chefe do Executivo sobre a decisão do indeferimento do recurso hierárquico necessário interposto contra o acto do Coordenador do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes, pelo qual foi determinada a aplicação da sanção contratual da multa ao Consórcio pelo cumprimento defeituoso. Por carta de 31 de Janeiro de 2011, o Consórcio notificou ao Chefe do Executivo para a constituição do Tribunal Arbitral a fim de resolver os litígios na execução do contrato.
No dia 10 de Setembro de 2012, o Tribunal Arbitral proferiu uma decisão: condenou a RAEM a pagar ao Consórcio o montante de MOP11.790.180,00 relativamente aos trabalhos do Túnel, condenou a RAEM a restituir o montante de MOP1.585.822,41 relativamente às sanções aplicadas ao Consórcio, e condenou a RAEM a pagar ao Consórcio o montante de MOP4.945.355,00 relativo a todos os trabalhos adicionais e condenou o Consórcio a pagar à RAEM o montante de MOP45.497,50 como compensação dos danos devido aos atrasos no processo de concurso.
No dia 10 de Outubro de 2012, a RAEM, representada pelo Ministério Público, intentou uma acção no Tribunal Administrativo, pedindo a nulidade ou anulação da decisão arbitral, porquanto, por um lado, os trabalhos do Traçado em Túnel não estavam previstos no contrato celebrado entre a RAEM e o Consórcio, e, como tal, não se enquadrariam na cláusula compromissória constante daquele contrato, e, por outro lado, dado que o Tribunal Arbitral era também incompetente para apreciar da legalidade do acto administrativo através do qual àquele se tinham aplicado sanções pecuniárias.
O Tribunal Administrativo procedeu ao julgamento do caso e entendeu que ao Tribunal Arbitral assistia competência para apreciar a questão relativa aos referidos trabalhos do Traçado em Túnel, mas já não quanto à aplicação da sanção pecuniária, visto tratar-se de um verdadeiro acto administrativo, declarando assim a nulidade da decisão arbitral relativamente a essa parte.
Tanto a RAEM como o Consórcio não se conformaram com a decisão e recorreram para o Tribunal de Segunda Instância nas partes em que lhes era desfavorável.
Tendo conhecido do processo, o TSI manteve a decisão do Tribunal Administrativo de que o Tribunal Arbitral tinha competência para apreciar os trabalhos do túnel. Relativamente à questão das sanções pecuniárias impostas ao Consórcio pela RAEM, o TSI entendeu que o Tribunal Arbitral também era competente para conhecer da questão, pelo que decidiu revogar a sentença do Tribunal Administrativo nesta parte.
Ainda inconformada, a RAEM recorreu para o Tribunal de Última Instância. Na óptica da RAEM, o Tribunal Arbitral não tinha competência para apreciar a legalidade da decisão de aplicação de multas ao Consórcio, já que em causa estava a apreciação da legalidade de um acto administrativo, igualmente, não tinha competência para as questões relativas aos trabalhos do Traçado em Túnel, pois que sendo trabalhos extraordinários, estão para além do objecto do contrato administrativo celebrado, e, como tal, não estavam abrangidos pela sua cláusula compromissória.
O TUI apreciou o caso. Em primeiro lugar, no que diz respeito à questão de saber se o Tribunal Arbitral tinha competência para apreciar da aplicação de multa, o TUI apontou que a aplicação de sanções pecuniárias é um acto administrativo e que as questões litigiosas surgidas no quadro da execução de um contrato administrativo e que envolvam a apreciação da legalidade de um acto administrativo não podem ser solucionadas a título definitivo através de tribunal arbitral, e para as questões litigiosas que não tenham por base um acto administrativo, mas, antes, uma mera declaração negocial, e que seriam normalmente apreciadas pela via da acção nos tribunais administrativos, já será viável a celebração de convenções de arbitragem.
Além disso, quanto aos trabalhos do traçado em túnel, o TUI salientou que a cláusula contratual define os trabalhos excepcionais e determina, expressamente, que os trabalhos excepcionais implicam uma nova adjudicação ao Consórcio. E os trabalhos excepcionais não são trabalhos normais ou trabalhos adicionais, sendo os que se venham a revelar necessários à implementação da 1.ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau e que seja particularmente vantajoso para os interesses da RAEM, a sua adjudicação ao Adjudicatário, e, assim, nesta conformidade, da evidente necessidade da celebração e formalização de um novo contrato para a execução de tais trabalhos excepcionais.
O TUI considerou ser indiscutível que os trabalhos do túnel não eram objecto do contrato de prestação de serviços celebrado entre a RAEM e o Consórcio, razão pela qual, foram, precisamente, considerados excepcionais, e os trabalhos não abrangidos no contrato implicavam necessariamente uma nova adjudicação, tem suporte, no princípio da intangibilidade do objecto, dado que, como sabido é, não é legalmente permitida a alteração do objecto da prestação de serviços contratualizada e a obra do túnel não constava da inicialmente acordada prestação de serviços.
Referiu o TUI que os trabalhos excepcionais implicam uma alteração do objecto da prestação, implicando, assim, por sua vez, a celebração de um novo contrato. Neste caso, a Administração não avançou com a adjudicação e a celebração de um novo contrato para estes trabalhos excepcionais, e a cláusula compromissória estabelecida naquele acordo não estende a competência do Tribunal Arbitral ao conhecimento de questões que vão para além do que na mesma se previa e que estavam dependentes de uma nova adjudicação e de um novo contrato.
Em face do exposto, o TUI concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão arbitral.
Cfr. Acórdão proferido no processo n.º 134/2020 do Tribunal de Última Instância.