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Condenado pela prática do crime de falsidade de testemunho por ter prestado depoimento falso no tribunal para ocultar a verdadeira identidade do condutor


Na madrugada dum certo dia, A conduzia o automóvel ligeiro a 131 km/h na via com limite máximo de velocidade de 60 km/h. Para evitar que fosse punido pela prática de uma contravenção por condução em excesso de velocidade, A chegou a acordo com B e C, segundo o qual C fingia ser o condutor perante a autoridade competente, e B alegava que o automóvel lhe fora emprestado por A e depois entregue a C. Durante o julgamento do processo de contravenção, o Juiz do Tribunal Judicial de Base teve dúvidas quanto à alegação de C de ser o condutor, pelo que mandou proceder a investigação para apurar a verdadeira identidade do condutor. A e B compareceram à audiência de julgamento na qualidade de testemunhas, e após terem prestado juramento, ainda ocultaram a identidade do verdadeiro condutor e prestaram depoimentos sobre os factos conforme o plano previamente acordado, mas, por fim, foi descortinado o “fingimento do condutor”. Após o julgamento, o Tribunal Colectivo do TJB absolveu A da prática dum crime de “falsidade de testemunho”, p. p. pelo art.º 324.º, n.º 3, conjugado com o n.º 1, do CPM, com fundamento em que não foi A advertido do disposto no n.º 2 do art.º 119.º do CPP, verificando-se assim o conflito de deveres.

Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que o conflito de deveres previsto pelo art.º 35.º do CPM pressupõe a existência de dois deveres. Porém, a proibição da auto-incriminação não equivale ao dever de mentira, sendo dois conceitos completamente diferentes “não ter o dever” e “ter o dever”, e no caso sub judice, face à inexistência de dois deveres, não se verifica nenhum conflito de deveres, pelo que o acórdão recorrido violou o art.º 119.º, n.º 2 do CPP, e os art.ºs 35.º, 324.º, n.º 1 e 328.º, al. b) do CPM, e deve ser revogado.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, indicando que, ficou provado que as condutas dos três arguidos constituíram “favorecimento pessoal”, mas o crime de favorecimento pessoal, independentemente do previsto no art.º 331.º do CPM, pressupõe a existência de um “crime prévio” ou “facto de referência”, ou seja, a pessoa em benefício do favorecimento já praticou actos que constituíram um crime, mas não a contravenção que se discute, uma vez que aqui se fala do “crime” em sentido estrito. Embora as condutas de favorecimento dos arguidos, por si só, não constituam o crime previsto no art.º 331.º, se lesarem os bens jurídicos protegidos por um outro crime, devem os arguidos, naturalmente, ser condenados pela prática do respectivo crime. O bem jurídico protegido pelo crime de “falsidade de testemunho” é a realização da justiça. Apesar de ser quem beneficiou do favorecimento, A, face à protecção suficiente dos interesses das partes oferecida pela lei e à ampla liberdade lhe conferida na escolha dos seus próprios actos, depois da prestação de juramento solene, ainda contou ao tribunal factos não correspondentes à verdade, e optou por lesar o bem jurídico de realização da justiça legalmente protegido, conduta essa que constitui, obviamente, o crime de “falsidade de testemunho” previsto pelo art.º 324.º, n.º 1 do CPM. Por isso, o Colectivo julgou procedente o recurso do MP, revogou a sentença absolutória proferida pelo Tribunal a quo, e passou a condenar A pela prática do crime de “falsidade de testemunho”, p. p. pelo art.º 324.º, n.º 1 do CPM, convolando de imputado crime p. p. pelo art.º 324.º, n.º 3 do CPM, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, sob condição de pagar à RAEM uma contribuição no valor de MOP18.000,00 no prazo de 3 meses a contar do trânsito em julgado do acórdão.

Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em julgar procedente o recurso do MP, passando A a ser condenado de acordo com a decisão acima referida.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 848/2022.



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