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Pela falsidade dos documentos comprovativos de casamento apresentados, foi cancelada a presunção da paternidade no registo de nascimento


Em 26 de Dezembro de 1984, E e D casaram-se no Distrito de Shunde da Cidade de Foshan da Província de Guangdong, tendo mantido desde então a relação matrimonial. B e C nasceram, respectivamente, em 25 de Junho de 2004 e em 22 de Janeiro de 2007. Para efectuar o registo de nascimento das duas, a sua mãe, A, apresentou, respectivamente, em 14 de Julho de 2004 e em 31 de Janeiro de 2007, a “escritura de casamento” e a “certidão de casamento” à Conservatória do Registo Civil de Macau, ambas mostravam que E e A se casaram em 18 de Setembro de 1998 na Cidade de Shunde da Província de Guangdong, pelo que nos registos de nascimento também constava que o pai e a mãe eram E e A. Posteriormente, E faleceu em 14 de Agosto de 2012. Em 2015, D intentou no Tribunal Judicial de Base uma acção de simples apreciação negativa com processo ordinário contra A, B e C, pedindo que: 1. Por não serem verdadeiras a “escritura de casamento” e a “certidão de casamento” entregues sucessivamente por A à Conservatória do Registo Civil de Macau, fosse julgada procedente a acção e, em consequência, declarado que E não era casado com A; 2. fossem cancelados os registos de nascimento de B e C na parte relativa ao facto de E ser pai delas; 3. Ordenasse A a apresentar a “escritura de casamento” e a “certidão de casamento” por si apresentadas à Conservatória do Registo Civil de Macau em 14 de Julho de 2004 e 31 de Janeiro de 2007, para ser examinada a autenticidade dos dois documentos. Após a audiência de julgamento, o Tribunal Judicial de Base julgou procedente a acção intentada pela Autora, declarando que E não era casado com A e ordenando o cancelamento dos registos de nascimento de B e C na parte relativa ao facto de E ser presumido como o pai biológico delas.

Inconformados, recorreram A, B e C para o Tribunal de Segunda Instância, que, após apreciação, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão a quo. Ainda inconformados, os três recorreram para o Tribunal de Última Instância.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.

Antes de mais, os recorrentes consideram que a “escritura de casamento” e a “certidão de casamento” mencionadas nos factos acima referidos tinham força probatória plena, sendo suficientes para provar que A e E se casaram em 18 de Setembro de 1998 em Shunde da Província de Guangdong. A este propósito, o Tribunal Colectivo indicou que os documentos autênticos emitidos pelos órgãos competentes do Interior da China gozam, em princípio, da mesma força probatória dos documentos autênticos lavrados em Macau, ou seja, da força probatória plena a que se refere o art.º 365.º, n.º 1 do Código Civil de Macau; no entanto, também não se pode ignorar o disposto no n.º 2 do art.º 358.º do Código Civil. Dos autos resulta que a Autora apresentou ao TJB a escritura pública emitida pelo Cartório Notarial de Shunde da Cidade de Foshan da Província de Guangdong e a fotocópia do ofício do Departamento de Segurança Pública da Província de Guangdong, comprovando que, após consulta dos arquivos das entidades do Interior da China, não se encontrou registo de casamento entre A e E em 18 de Setembro de 1998, com base no que o TJB concluiu que A e E não casaram em 18 de Setembro de 1998 em Shunde de Guangdong. Obviamente, o Tribunal recorrido deu como provado tal facto, ponderando efectiva e devidamente o disposto no art.º 358.º do Código Civil e aplicando correctamente o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, uma vez que os referidos documentos e informações fornecidas pelas entidades do Interior da China constituem motivo bastante para o tribunal duvidar da autenticidade da escritura pública e da certidão de casamento em causa, razão pela qual, a força probatória destes documentos deve ser “apreciada livremente pelo tribunal” nos termos do mesmo artigo. Desde que a força probatória da escritura pública e da certidão de casamento em causa deva ser apreciada livremente pelo tribunal, o juiz não está vinculado àqueles meios de prova, sendo livre a apreciação da autenticidade dos documentos nos termos do artigo 558.º do Código de Processo Civil. Assim sendo, entendeu o Tribunal Colectivo que não se verifica violação alguma, por parte do acórdão recorrido, das disposições legais relativas à prova legal.

Ainda indicou o Tribunal Colectivo que os recorrentes invocaram erradamente os art.º 1049.º, 1051.º, n.º 1 e 1054.º do Código Civil da República Popular da China, visto que este só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2021, não sendo esta a lei vigente à data de casamento alegada por A e E (ou no momento em que eles efectuaram os registos de nascimento de B e C). A declarou que se casou com E no Interior da China em 1998, mas nos termos do art.º 7.º da Lei do Casamento da República Popular da China de 1980 e do art.º 2.º do Regulamento de Administração do Registo de Casamento de 1994, ambos então vigentes, o casamento e o registo são inseparáveis, devendo ambos os nubentes efectuar o registo de casamento. Por outro lado, a paternidade de E foi presumida e estabelecida com base na escritura pública e na certidão de casamento apresentadas então pela mãe A, as quais comprovam a relação conjugal entre E e A, mas nos autos, os factos dados como provados pelo tribunal mostram que E e A não se casaram em 18 de Setembro de 1998 em Shunde da Província de Guangdong (ou em outro momento e local), não existindo relação matrimonial entre os dois, por isso, não se pode estabelecer a paternidade de E por meio da aplicação das disposições legais relativas à presunção de paternidade. Além disso, dispõe o art.º 336.º, n.º 1 do Código Civil de Macau que “nas acções de simples apreciação negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”. Por outras palavras, cabe aos réus o ónus da prova da existência da relação matrimonial entre A e E, mas estes não lograram fazer tal prova, pelo contrário, foi aceite pelo tribunal a credibilidade das provas apresentadas pela Autora que obtiveram a confiança do tribunal. Nestes termos, entendeu o Tribunal Colectivo que não se verifica erro algum na aplicação da lei imputado pelos recorrentes.

Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 47/2022.



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