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Por não comprovado que a quantidade de plantação excedia a quantidade de referência de uso diário, foi alterada a condenação pela prática do crime de produção ilícita de estupefacientes


A comprou na Internet esporos de “cogumelo mágico”, que contêm “Psilocibina” e “Psilocina”, componentes regulados pela tabela II-A do art.º 4.º da Lei n.º 17/2009, para cultivar o que conseguiu com sucesso. A cultivou as referidas plantas não para consumo pessoal. Além disso, A e B compraram ainda, sem autorização, chocolates com Cannabis ao estrangeiro C, que os enviou da Austrália para Macau via Hong Kong em dois pacotes postais. Os dois pacotes foram interceptados por agentes dos Serviços de Alfândega de Hong Kong à sua chegada, os quais comunicaram de imediato com a Polícia Judiciária de Macau para procederem a uma subsequente investigação. A dirigiu-se à Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações para levantar os dois pacotes postais, mas sem sucesso, e foi interceptado por agentes da Polícia Judiciária quando se preparava para ir embora. O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. e p. pelo art.º 7.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 e pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de detenção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2 e n.º 3, conjugado com o art.º 8.º, n.º 1 da mesma Lei, respectivamente, na pena de 6 anos de prisão e na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; em cúmulo jurídico dos dois crimes, condenando-o no total em 7 anos de pena de prisão. Inconformado, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. O TSI negou provimento ao recurso, passando a condenar A, que tinha sido condenado pelo TJB pela prática do crime na forma tentada de detenção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, pela prática na forma consumada do mesmo crime, no entanto, com base no “princípio da proibição de reformatio in pejus”, manteve a pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo TJB e, ao mesmo tempo, a restante decisão do TJB. Ainda inconformado, A recorreu para o Tribunal de Última Instância.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do Caso.

Antes de mais, indicou o Tribunal Colectivo que, ao abrigo do crime de produção e tráfico de menor gravidade previsto no art.º 11.º da Lei n.º 17/2009, o pressuposto da punição consiste em avaliar se a ilicitude do acto de produção ou de tráfico é consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade da droga. Na ponderação e formulação de juízo, deve-se ter em conta, nomeadamente, se a quantidade da droga excede cinco vezes a quantidade de referência de uso diário da mesma. No presente caso, as plantas cultivadas por A contêm “Psilocibina” e “Psilocina”, componentes regulados pela tabela II-A do art.º 4.º da Lei n.º 17/2009. Mas o mapa da quantidade de referência de uso diário anexo a essa Lei contém apenas as quantidades de referência de uso diário para 16 tipos de plantas, substâncias ou preparados “de consumo mais frequente”, não estando incluídos os dois componentes em causa. Apesar de constar no relatório pericial elaborado pela Polícia Judiciária o peso líquido dos “cogumelos mágicos” cultivados e detidos por A, indicou também a Polícia Judiciária que não dispõe das quantidades da referência dessas substâncias, por isso, não é possível realizar a análise quantitativa dessas substâncias sujeitas a controlo contidas nos “cogumelos mágicos”. Na falta de fundamentos objectivos e de experiência comum para determinar se as quantidades concretas de “Psilocibina” e “Psilocina” contidas nos “cogumelos mágicos” cultivados e detidos por A excedem ou não cinco vezes a quantidade de referência de uso diário, e ponderando o facto da Polícia só tiver detectado substâncias controladas em dois cogumelos, o Tribunal via-se obrigado a concluir que a ilicitude do acto de A é “consideravelmente diminuída”. Consequentemente, A deve ser condenado pela prática do crime de produção e tráfico de menor gravidade.

Por outro lado, entendeu A que as suas condutas não devem ser punidas por verificação das situações de tentativa ou de suspensão previstas no Código Penal. Indicou o Tribunal Colectivo que, no presente caso, A e B já concluíram os seus actos de compra de droga e os pacotes com droga já foram enviados do estrangeiro para Hong Kong e entregues à Polícia Judiciária de Macau pelos agentes dos Serviços de Alfândega de Hong Kong; sem a intervenção dos Serviços de Alfândega de Hong Kong, os pacotes postais em causa entrariam normalmente em Macau, aguardando o seu levantamento por A e B. Apesar de A ainda não deter efectivamente a droga por não ter conseguido levantar os pacotes postais, já concluíra os actos de compra/aquisição de droga, pelo que deve ser condenado pela prática do crime na forma consumada. Além disso, dos factos dados como provados pelo tribunal não resulta que A desistiu por vontade própria de continuar a praticar o crime. Na realidade, embora A tenha tido a intenção de desistir ou propor a desistência do levantamento dos pacotes postais, obviamente não se tratava de desistência por vontade própria, uma vez que a desistência não era uma decisão tomada independentemente de factores exteriores, pelo contrário, A desistiu por dificuldade e insucesso no levantamento dos pacotes postais, é evidente que não constitui desistência por vontade própria, pelo que improcede também a alegação da desistência da prática do crime formulada por A.

Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em conceder parcialmente provimento ao recurso interposto por A, convolando a prática de um crime de produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, pela qual foi condenado A, para a prática de um crime de produção e tráfico de menor gravidade e condenando-o na pena de 2 anos e 3 meses de prisão; manteve a decisão do TSI relativa à condenação pela prática de um crime de detenção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e à medida da pena. Em cúmulo jurídico dos dois crimes, condenou-o na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 84/2023.