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Face a um caso de várias publicações de vídeos difamatórios diferentes nas redes sociais, o TSI passou a declarar que o crime de publicidade e calúnia não é um crime continuado


A exercia actividade de apresentador de self-media e, através da plataforma social de vídeos curtos online “Y” (doravante designada por “plataforma Y”), publicava uma série de vídeos curtos originais dele, tornando-se conhecido por muitas pessoas. Todos os utilizadores e internautas que visitassem a plataforma Y, podiam assistir ou acompanhar os vídeos publicados. De Agosto de 2021 a Setembro de 2022, através da plataforma Y, B publicou dezenas de vídeos e transmissões em directo, dizendo que A subtraía fichas ou dinheiro de terceiros, explorava pensão ilegal, trapaceava os seus admiradores, colocava armadilhas para enganar pessoas, entre outras acusações. Os factos acima alegados eram falsos destinando-se a ofender a honra de A, fazendo com que este perdesse os seus admiradores e popularidade. Ao tomar conhecimento do caso, A apresentou queixa e pediu auxílio à Polícia Judiciária, bem como contratou advogado para efectivar a responsabilidade criminal de B. O processo foi encaminhado, com a acusação deduzida pelo Ministério Público, para o Tribunal Judicial de Base para julgamento. Findo o julgamento, o Juízo Criminal do TJB condenou B, pela prática de um “crime de publicidade e calúnia” (difamação) e um “crime de publicidade e calúnia” (injúria), na pena de 7 meses de prisão por cada crime, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 177.º, n.º 1 do art.º 174.º e n.º 1 do art.º 175.º do Código Penal de Macau, conjugado com o n.º 2 do art.º 12.º da Lei n.º 11/2009 alterada pela Lei n.º 4/2020. Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, foi condenado B numa pena única de 1 ano de prisão, suspensa a sua execução por 2 anos com o dever de publicar nos jornais designados e na conta aberta por B na plataforma Y os anúncios de pedido de desculpa a A pelas publicações de vídeos falsos e irregulares, no prazo de 10 dias contado a partir do trânsito em julgado do acórdão. B foi condenado ainda no pagamento a A do montante de MOP100.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, e dos respectivos juros. Inconformado, A recorreu do decidido para o Tribunal de Segunda Instância.

O Colectivo do TSI conheceu do caso.

De acordo com o Tribunal Colectivo, B publicou sucessivamente 72 vídeos, embora se trate duma realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea, os vídeos não são meras repetições sempre com o mesmo conteúdo, mas, sim, foram novamente “concebidos” e “criados” por B, pelo que não se verifica a circunstância que diminua o grau de culpa de B. Ademais, a existência objectiva de plataformas das redes sociais não constitui a “situação exterior” que “provoque ou facilite a formação da nova resolução criminosa pelo agente”. Por conseguinte, o facto praticado por B não é o crime continuado previsto no n.º 2 do art.º 29.º do Código Penal, devendo B ser punido em conformidade com o número de tipos de crime efectivamente cometidos. Quanto à condenação, em 32 dos 72 vídeos publicados por B revelaram-se ao público expressões injuriosas contra A, mas não injúrias ou repreensões directas contra o mesmo, não se verificando o preenchimento dos elementos constitutivos do “crime de injúria”, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 175.º do Código Penal, e, em consequência, deve B ser absolvido do “crime de publicidade e calúnia” (injúria) que lhe foi imputado. Além disso, os supracitados 32 vídeos foram qualificados como “crimes de publicidade e calúnia”, pelo que não há lugar à nova qualificação do crime.

Pelo exposto, o Tribunal Colectivo concedeu provimento parcial ao recurso interposto por A, passando a condenar B, pela prática de 72 “crimes de publicidade e calúnia” (difamação) p. e p. pelo n.º 2 do art.º 177.º e n.º 1 do art.º 174.º do Código Penal, conjugado com o n.º 2 do art.º 12.º da Lei n.º 11/2009 alterada pela Lei n.º 4/2020, na pena de 2 meses de prisão por cada crime, e, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, foi o mesmo condenado numa pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa a sua execução por 3 anos com o dever de eliminar os 72 vídeos publicados na sua conta aberta na plataforma Y, no prazo de 3 dias contados a partir do trânsito em julgado do acórdão; mantendo a decisão de publicar em 2 dias consecutivos nos jornais designados e na conta aberta por B na plataforma Y os anúncios de pedido de desculpa a A, no prazo de 10 dias contados a partir do trânsito em julgado do acórdão; ordenando a B que publicasse nos jornais designados o conteúdo fundamental da decisão condenatória para efeitos de divulgação ao público, no prazo de 20 dias contados a partir do trânsito em julgado do acórdão, de teor concreto a decidir pelo Tribunal a quo em execução do acórdão; homologando o direito à indemnização por danos patrimoniais de A, de montante a liquidar em execução do acórdão; condenando B no pagamento a A do montante de MOP120.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e dos respectivos juros; e, mantendo as demais decisões proferidas no acórdão.

Cfr. o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 309/2023.