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CCAC publicou o Relatório de investigação sobre o recrutamento de trabalhadores em regime de aquisição de serviços por parte do Instituto Cultural


O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) publicou o Relatório de investigação sobre o recrutamento de trabalhadores em regime de aquisição de serviços por parte do Instituto Cultural (IC), no qual se indica que, nos últimos anos, o IC tem violado as normas legais relativas ao concurso e ao recrutamento centralizado, “fugindo” da necessária autorização e supervisão do órgão superior, no sentido de contratar constantemente um grande número de trabalhadores mediante o modelo da aquisição de serviços. Os problemas que se destacam com esta situação são sobretudo a falta de publicidade de informações sobre o recrutamento, os métodos de selecção menos rigorosos e a suspeita de incumprimento do regime de impedimento.

No decorrer de investigação e tratamento das denúncias e queixas contra o IC, o CCAC verificou que, nos últimos anos, o IC tem recorrido ilegalmente ao modelo da aquisição de serviços no recrutamento de um grande número trabalhadores. Para o apuramento da verdade, o Comissário contra a Corrupção determinou em Abril de 2016, por despacho, que tivesse lugar uma investigação, relativa à situação do recrutamento de trabalhadores pelo IC, a qual durou cerca de um ano.

Anteriormente, registaram-se casos de serviços públicos que recrutaram trabalhadores em regime de aquisição de serviços, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 122/84/M. No entanto, na sequência de relatórios, recomendações e orientações emitidas pelos CCAC e Comissariado da Auditoria, indicando sucessivamente que tal prática não é correcta, nos últimos anos a maioria dos serviços públicos já evitam recorrer ao modelo da aquisição de serviços no recrutamento de trabalhadores.

Durante a investigação, o CCAC verificou que o IC tem continuado a recrutar trabalhadores em regime de aquisição de serviços. Em 2014, o número de trabalhadores neste regime aumentou substancialmente até 112, o que representava cerca de um sexto da totalidade dos trabalhadores do IC. Mesmo em 2016, o ano em que o CCAC instaurou a investigação em referência, havia ainda 94 trabalhadores recrutados neste regime.

As justificações apresentadas pelo IC para o recrutamento de trabalhadores em regime de aquisição de serviços limitam-se à invocação da existência de “muito trabalho, pouco pessoal, procedimentos de recrutamento morosos”. Esta forma de recrutamento tem sido adoptada pela maioria das suas subunidades orgânicas, e na Intranetdeste organismo estão disponíveis os fluxogramas e modelos de documentação para o respectivo recrutamento. A par disso, existem impressos próprios para o registo de assiduidade e o pedido de férias dos trabalhadores deste regime. Tal prática encontra-se de certa forma generalizada no que respeita ao IC, o qual recorre à mesma formal e sistematicamente.

O CCAC considera que, o recrutamento de um grande número de trabalhadores em regime de aquisição de serviços por parte do IC levou à existência de um conjunto de problemas:

  1. Usurpação do poder do órgão superior no âmbito da gestão de pessoal

Durante a investigação levada a cabo pelo CCAC, o pessoal de direcção do IC explicou que o volume de trabalho tem aumentado nos últimos anos, mas os recursos humanos são muito escassos, pelo que se depara com uma situação de incapacidade de resposta ao grande número de novos projectos. Para além disso, a morosidade do processo de recrutamento centralizado e a não autorização superior para dispensa de abertura de concurso, levou a que a direcção do IC resolvesse recorrer o modelo da aquisição de serviços para contratar trabalhadores. No entanto, nos termos do regime jurídico da função pública de Macau, não compete à direcção de serviços recrutar os seus trabalhadores, tal competência pertence ao Chefe do Executivo ou ao secretário da respectiva área governativa.

Por motivos excepcionais, em casos devidamente fundamentados e quando a urgência do recrutamento o justifique, o concurso pode ser dispensado no recrutamento de trabalhadores em regime de contrato, mediante autorização do Chefe do Executivo ou do secretário da respectiva área governativa. Não compete à direcção de serviços contratar trabalhadores sem que se realize o concurso. Assim, o recrutamento de trabalhadores em regime de contrato pode ser apenas precedido de concurso documental, desde que se tenha a autorização do Chefe do Executivo ou do secretário da respectiva área governativa, sendo necessário nestes casos só a realização da entrevista e da análise curricular, e não a realização de provas de conhecimentos.

No entanto, sem a autorização do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura para a dispensa de concurso, o IC recrutou, por iniciativa própria, um grande número de trabalhadores em regime de aquisição de serviços sem a realização de concurso. Para além disso, o IC adoptou só a análise curricular e a entrevista na selecção de candidatos, sem obter a necessária autorização do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura para a dispensa de provas de conhecimentos, constituindo este facto, sem dúvida, uma usurpação do poder do órgão superior no âmbito da gestão de pessoal.

  1. Desvio do regime de recrutamento por concurso do Governo da RAEM

Após a entrada em vigor da Lei n.° 14/2009 (Regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos) e dos respectivos diplomas regulamentares, o recrutamento dos trabalhadores da carreira geral e da carreira especial, indicadas na lei referida, por parte dos serviços públicos está sujeito à abertura de concurso e o recrutamento de técnicos superiores e de adjunto-técnicos só pode ser realizado através dos procedimentos de recrutamento centralizado. No decorrer da abertura de concurso, os serviços públicos devem publicitar o respectivo aviso no Boletim Oficial da RAEM e em, pelo menos, dois jornais. Por outro lado, para o ingresso nos serviços públicos, é obrigatário o candidato candidatar-se ao concurso, no qual são utilizadas provas de conhecimentos, entrevistas profissionais e análises curriculares, entre outras, como métodos de selecção.

No entanto, o CCAC descobriu na investigação que, no recrutamento de trabalhadores em regime de aquisição de serviços, o IC não anunciou ao público as informações sobre o recrutamento, nem obteve da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública os dados dos indivíduos inscritos na Bolsa de Emprego e aproveitou antes as recomendações entre colegas e amigos para divulgar num determinado círculo e de boca em boca as notícias do recrutamento. Estes factos violaram o princípio da publicidade do processo de recrutamento de trabalhadores dos serviços públicos.

Na selecção dos candidatos, o IC não realizou provas escritas ou testes de aptidão profissional, a aprovação dos “candidatos adequados” fez-se apenas mediante a análise curricular e a entrevista, isto suscita suspeitas sobre os critérios de selecção adoptados. A título de exemplo, uma subunidade orgânica do IC chegou a contratar um trabalhador como responsável pela monitorização das obras de manutenção das instalações e equipamentos, só que o mesmo não tinha frequência de nenhum curso de formação da área de engenharia tecnológica nem a experiência profissional necessária.

Um outro exemplo é o de uma subunidade orgânica do IC que chegou a contratar um trabalhador, para exercer, nomeadamente, as funções de auxílio no pagamento do vencimento do pessoal, auxílio na elaboração de diversas demonstrações, auxílio na introdução de dados e arquivação documental, gestão de expediente e correspondência, porém, a experiência profissional referida na respectiva proposta de recrutamento é a gestão do dormitório de trabalhadores de um hotel de Macau e a resolução de conflitos em dormitório, o que não tem qualquer relação com os trabalhos administrativos acima referidos.

O CCAC indica que, no recrutamento de trabalhadores do IC em regime de aquisição de serviços, os respectivos processos não foram públicos nem transparentes, os padrões de contratação não foram claros nem regulares chegando a registar-se casos em que familiares do pessoal de direcção e chefia ingressaram no IC para trabalhar ao abrigo do regime de aquisição de serviços. Esta situação contraria a política preconizada pelo Governo da RAEM para um recrutamento de trabalhadores transparente, justo e imparcial.

  1. Vantagens nos concursos para os trabalhadores que já se encontravam no regime de aquisição de serviços

No decorrer da investigação, o CCAC detectou que em concursos para recrutamento de técnicos ou de adjuntos-técnicos do IC, foram contratados muitos trabalhadores que tinham exercido funções no IC em regime de aquisição de serviços. Nos anos 2014 e 2015, o IC realizou o recrutamento público para o preenchimento de 60 lugares de técnico de 2.ª classe para várias áreas, dos 60 trabalhadores recrutados, 22 tinham anteriormente exercido funções no IC em regime de aquisição de serviços.

O IC realizou, em 2011, um concurso público para o preenchimento de adjunto-técnico de 2.ª classe, dos 31 trabalhadores contratados, 13 eram já trabalhadores do IC em regime de aquisição de serviços. Em 2012, o IC realizou de novo um concurso público para o preenchimento de adjunto-técnico, dos 4 trabalhadores contratados, 3 eram já trabalhadores do IC em regime de aquisição de serviços. Posteriormente, em Dezembro de 2013, o IC solicitou à entidade tutelar a autorização para a contratação adicional de mais 9 adjunto-técnicos, sendo os respectivos lugares preenchidos segundo a lista final de classificação daquele concurso. Desses 9 trabalhadores na contratação adicional, 6 estavam já a trabalhar no IC em regime de aquisição de serviços.

O CCAC verificou que, muitas vezes, nos concursos organizados pelo IC, as matérias constantes das provas escritas de conhecimentos que diziam respeito às práticas e operações dos serviços, tiveram um peso considerável na pontuação, pelo que os candidatos com experiência nesta área tiveram uma certa vantagem, sendo que, na análise curricular, um dos padrões de avaliação era a experiência profissional dos candidatos naquela área.

O CCAC seleccionou para análise um processo de concurso aberto pelo IC, verificando que as perguntas para a prova escrita de conhecimentos foram elaboradas pelo júri só depois de este conhecer os currículos e a identidade dos candidatos. A par disso, os critérios de avaliação da entrevista e da análise curricular foram elaborados só após ter sido conhecida a classificação de todos os candidatos na prova escrita de conhecimentos. Estes não correspondem aos procedimentos normais de abertura de concursos para recrutamento de trabalhadores dos serviços públicos.

  1. Simulação para esconder uma relação de emprego verdadeira

O “acordo de prestação de serviços” celebrado entre o IC e os recrutados em regime de aquisição de serviços, contem algumas cláusulas, nomeadamente conteúdo de trabalho, horas de trabalho e cálculo de faltas, etc., sendo tal acordo, formal ou materialmente, um contrato de trabalho típico. Além disso, no exercício de funções, tal como sucede com os demais trabalhadores do IC, o pessoal neste regime tem de prestar serviço de acordo com o horário de trabalho definido, obedecer às ordens superiores e exercer as funções que lhe são atribuídas, recebendo a correspondente remuneração.

Para se configurar o recrutamento do pessoal neste regime como a aquisição de serviços prevista no Decreto-Lei n.º 122/84/M, e escondendo uma relação de emprego verdadeira, o IC exige ao contratado que apresente uma “cotação” para a aquisição de um serviço, sendo que o conteúdo de serviços a prestar e os respectivos honorários nela indicados são exactamente iguais ao que se refere na proposta de recrutamento. A par disso, também as chefias das subunidades foi instruída para fazer o registo manual das horas de entrada e saída do pessoal em regime de aquisição de serviços, em vez de fazerem o registo de assiduidade normal (“picar o cartão de ponto”) como fazem os restantes trabalhadores.

O caso mais absurdo é que, para evitar celebrar permanentemente com o trabalhador um acordo com muitas das cláusulas típicas do contrato de trabalho, o IC decorrido normalmente um ano sobre a celebração do “acordo de prestação de serviços” com o pessoal em regime de aquisição de serviços, passou a celebrar um chamado “acordo de trabalho”, exigindo a esse pessoal a apresentação da declaração de início de actividade na qualidade de profissional liberal junto da Direcção dos Serviços de Finanças preenchendo o formulário do Modelo M1 do Imposto Profissional.

No “acordo de trabalho” celebrado entre o IC e o referido pessoal não existe qualquer cláusula relativamente ao horário de trabalho e ao volume e método de trabalho, nem referência nenhuma ao regime de assiduidade, dando propositadamente uma imagem falsa de que o pessoal em questão presta serviço na qualidade de profissional liberal e não como trabalhador do IC. Por outro lado, a maioria dos “acordos de trabalho” é tão simples, que torna difícil a respectiva fiscalização.

A título exemplificativo, o IC contratou em Outubro de 2014 um indivíduo para prestar “serviços de gestão de partituras” na orquestra, sendo fixada a renumeração mensal de $ 15.000,00 patacas. Todavia, a partir de Julho de 2015, numa situação em que o conteúdo de trabalho previsto no “acordo de trabalho” não sofreu qualquer alteração e em que não existem quaisquer documentos para justificar a actualização, os honorários (retribuição) foram actualizados para $ 27.650,00 patacas por mês. Esta prática dificulta indubitavelmente as acções de fiscalização levadas a cabo pelas entidades fiscalizadoras no que diz respeito à legalidade e à razoabilidade dos respectivos actos.

  1. Desvio do regime de declaração de bens patrimoniais e interesses dos trabalhadores da função pública

Nos termos da Lei n.º 11/2003, os titulares de cargos públicos e o pessoal que preste trabalho subordinado nos serviços públicos são obrigados a apresentar a declaração de bens patrimoniais e interesses. Apesar dos trabalhadores que assinaram com o IC um “acordo de prestação de serviços” apresentarem, nos termos legais, ao CCAC a declaração de bens patrimoniais e interesses, na sequência da passagem do referido acordo para o “acordo de trabalho”, estes trabalhadores já não apresentaram a respectiva declaração com a justificação da não existência de um vínculo de subordinação entre eles e o IC.

O pessoal recrutado pelo IC mediante a celebração de “acordos de trabalho” encontra-se distribuído por diversas subunidades orgânicas, nomeadamente no gabinete do Director, a quem compete tomar as decisões administrativas do IC, no Departamento de Organização e Gestão Administrativa e Financeira, que exerce a competência de assegurar o funcionamento administrativo e financeiro do IC, e nas subunidades responsáveis pelo planeamento e implementação de obras, espectáculos e exposições, designadamente no Departamento do Património Cultural, no Departamento de Desenvolvimento das Artes do Espectáculo e no Departamento de Promoção das Indústrias Culturais e Criativas.

O CCAC considera que, no exercício das suas funções, o pessoal neste regime e os propriamente ditos trabalhadores do IC não são diferentes, o que significa que também para este pessoal, é possível ter acesso, e até participar, no planeamento ou no processo de autorização administrativa de projectos que envolvem grandes interesses económicos. Nesta situação, o não cumprimento da obrigação de apresentação de declaração de bens patrimoniais e interesses constitui não só uma lacuna no que respeita à fiscalização da integridade, mas representa também um acréscimo quanto ao risco da prática de actos de corrupção.

Foi indicado no relatório pelo CCAC que, além dos problemas acima expostos, há ainda as seguintes duas questões que devem merecer ponderação por parte do IC e da respectiva entidade tutelar.

  1. A justiça do processo de recrutamento da função pública tem de ser garantida

As informações sobre a intenção de recrutamento de pessoal do IC em regime de aquisição de serviços têm sido transmitidas somente dentro de um determinado círculo de indivíduos ou entre familiares e amigos. Na selecção de candidatos não se procedeu à prova de conhecimentos, a qual se reveste de natureza eliminatória. Uma parte do pessoal em questão, aproveitando a sua experiência profissional no IC beneficiou desta vantagem nos concursos de ingresso naquele serviço. Tudo isto suscita inevitavelmente suspeitas sobre a justiça do processo de recrutamento de pessoal do IC em regime de aquisição de serviços.

Foi indicado no relatório pelo CCAC que, no recrutamento de trabalhadores, os serviços públicos devem responder às exigências do Governo da RAEM, cumprindo as normas legais relativas à abertura de concursos, ao recrutamento centralizado e ao concurso de gestão uniformizada, assegurando a publicidade, a imparcialidade e a justiça do processo de recrutamento de trabalhadores e executando rigorosamente as normas legais de impedimento, com vista a salvaguardar a igualdade de oportunidades entre os cidadãos na candidatura à função pública.

  1. A política do Governo da RAEM “racionalização de quadros e simplificação administrativa” deve ser obrigatoriamente executada

O volume de actividades organizadas pelo IC nos últimos anos tem vindo a aumentar. Se o IC constatou não conseguir dar resposta, com o pessoal existente, às tarefas adicionais que vinham surgindo, não seria censurável o recrutamento de um número adequado de trabalhadores, porém, tal recrutamento devia ser realizado nos termos dos procedimentos legais e ter o orçamento correspondente. O IC utilizou o orçamento do Fundo de Cultura, o qual deveria ser aplicado na realização de actividades culturais gastando-o no recrutamento de um grande número de pessoal em regime de aquisição de serviços, e a sua direcção não fixou um limite máximo quer para o número deste pessoal a recrutar quer para as despesas com o respectivo recrutamento, o que não está em conformidade com as exigências devidas no âmbito da administração financeira pública.

O CCAC realça que, no exercício de funções públicas, a iniciativa e o espírito contributivo dos serviços públicos merecem reconhecimento, porém, os serviços públicos não podem perder de vista o custo da sua actuação, devendo cumprir a política de “manutenção das despesas dentro dos limites das receitas e uma gestão financeira prudente”. A par de procurar alcançar resultados, os serviços públicos não podem ignorar o planeamento global do recrutamento de pessoal do Governo da RAEM, nem ter como prioridade os seus próprios interesses, atendendo apenas a um e não a todos os aspectos da questão. Caso contrário, a RAEM correrá o risco de perder o controlo do número dos trabalhadores da função pública e das despesas financeiras públicas.

O texto integral encontra-se disponível para downloadna página electrónica do CCAC.



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