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Não tem a Administração poder para suspender o procedimento do licenciamento, com fundamento em não tiver ainda a decisão do Tribunal sobre a titularidade do terreno


Em 31 de Dezembro de 2004, A e B apresentaram, à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, o pedido da aprovação do projecto de arquitectura para obra de construção em duas parcelas de terreno sitas na Praça de Lobo D’Ávila, n.º 26 e 28, em Macau, em regime de propriedade perfeita, e apresentaram, junto com o pedido, certidão de registo predial, através das quais a propriedade se mostrava inscrita a favor de dois requerentes. Depois, os requerentes apresentaram sucessivamente os projectos de arquitectura e de especialidades, nos termos do art.º 19.º e seguintes do Regulamento Geral da Construção Urbana, e fizeram rectificações necessárias a pedido do DSSOPT, sendo que todos os projectos foram aprovados dentro prazo legal. Em 13 de Outubro de 2006, 9 de Janeiro de 2007, 13 de Junho de 2007, 13 de Agosto de 2007 e 13 de Agosto de 2008, os requerentes apresentaram, por cinco vezes, à DSSOPT, o pedido de emissão da licença de construção, tendo sido todos indeferidos. Em 25 de Fevereiro de 2011, os requerentes requereram mais uma vez a emissão da licença de construção. Em meados de 2012, o Director dos SSOPT proferiu despacho, indeferindo o pedido de emissão de licença de construção e suspendendo o procedimento de licenciamento, com fundamento na existência de litígio sobre a titularidade da propriedade de um dos terrenos e na pendência de acção judicial em que alguém pede a declaração de aquisição do direito de propriedade sobre o respectivo terreno, a título de usucapião. Deste despacho, A e B interpuseram recurso hierárquico necessário para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que por despacho de 15 de Novembro de 2012, lhe negou provimento.

Inconformados, A e B interpuseram recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que, por sua vez, negou provimento ao recurso.

Inconformados ainda, os dois interpuseram recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI).

O Tribunal de Última Instância conheceu do caso.

O Tribunal Colectivo indicou que, é essencial que o requerente seja o proprietário do prédio para o qual se pede o licenciamento de edifício quando esteja em causa a propriedade perfeita, como é o caso dos autos, sendo que a comprovação da propriedade faz-se pela junção do documento que titule o registo de aquisição. O registo de uma acção judicial tendente à declaração da aquisição da propriedade de um imóvel não abala em nada a presunção derivada do registo predial. Enquanto não houver sentença transitada em julgado que declare a aquisição de propriedade por outrem que não o titular inscrito, este é, para todos os efeitos, designadamente para exercício dos seus direitos de proprietário perante terceiros e a Administração, o titular do direito de propriedade em causa.

O Tribunal Colectivo salientou que, a licença de construção não é o instrumento adequado para verificar o respeito pelas situações jurídicas reguladas pelo Direito Privado, visto que a licença urbanística é concedida sob reserva de direitos de terceiros. Não é necessário que a Administração aguarde pelo desfecho de acção judicial em que discute o direito de propriedade, desde que o requerente do pedido de aprovação de projecto comprove ser o proprietário. Quanto ao terceiro que se arroga a propriedade daquele imóvel, este tem na sua mão instrumentos jurídicos para impedir a construção da obra, designadamente, propondo providências cautelares destinadas a suspender a obra. Os tribunais decidirão, então, se é de suspender a obra.

Pelo exposto, visto que a decisão do licenciamento da obra não depende da resolução do litígio entre particulares, e, tendo os dois recorrentes juntado documento comprovativo da inscrição no registo predial da aquisição do direito de propriedade, com o requerimento de aprovação de projecto de obra, não tem a Administração poder para suspender o procedimento do licenciamento, com fundamento na pendência de acção judicial cível entre os dois recorrentes e terceiro, sendo este o autor da acção, em que pede o reconhecimento do direito de propriedade do imóvel em causa.

Face ao expendido, o TUI concede provimento ao recurso jurisdicional e ao recurso contencioso, anulando o acto recorrido. E absolve da instância os recorridos quanto ao pedido de condenação da entidade recorrida à emissão da licença de obras, em virtude de este pedido competir ao Tribunal Administrativo.

Vide o Acórdão do TUI, Processo n.º 34/2017.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

20/12/2017