Saltar da navegação

Ex-vice presidente do Instituto Cultural absolvido no TJB dos crimes de abuso de poder e de violação de segredo TSI ordenou reenvio do processo para novo julgamento por se verificar erro notório na apreciação da prova


O arguido Chan Chak Seng foi nomeado como vice presidente do Instituto Cultural de Macau (IC) em Novembro de 2005. Por despacho, de 10 de Janeiro de 2006, do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, foram delegadas a Chan Chak Seng as competências no que se refere à direcção, coordenação e fiscalização relativas ao Departamento do Património Cultural, à Biblioteca Central de Macau e ao Sector de Informática, do Instituto Cultural. Todas as obras a realizar nas instalações pertencentes às subunidades da sua tutela ficaram sujeitas à opinião do arguido, este ocupou o lugar de presidente da comissão de selecção das obras envolvidas.

Por outro lado, D era o empresário da Companhia X mas não participou concretamente na operação da companhia, sendo esta gerida pelo seu filho C. C conheceu B, irmão mais novo do arguido, quando estudava em universidade. B começou a trabalhar como engenheiro na Companhia X em 2005. O mesmo sabia o código da conta bancária da Companhia X e mobilizava o fundo. Depois, B e C adquiriram bens imóveis no Interior da China com o fundo da Companhia X.

Em 2008, o IC convidou três empresas para apresentar proposta sobre a “prestação de serviços de manutenção de equipamentos da Biblioteca Central de Macau”. Também foi convidada a Companhia X, onde trabalhava B, irmão do arguido. No entanto, o arguido não pediu escusa, continuando a exercer o cargo de presidente da comissão de selecção. Neste concurso apenas a Companhia X e a Companhia Y apresentaram propostas. Das propostas apresentadas resultou que o preço proposto pela Companhia X era mais elevado, nesta situação, deveria ser seleccionada a proposta da Companhia Y. Porém, a comissão de selecção desse concurso decidiu que se apresentassem propostas novas. Para tal, o arguido escreveu, pelo seu próprio punho, a razão para a apresentação de novas propostas. Posteriormente, antes da abertura das novas propostas, o arguido revelou ao seu irmão B que o preço proposta no último concurso era demasiado alto, dizendo-lhe ainda o preço para a fase experimental. Assim, a Companhia X baixou o preço e conseguiu ganhar a adjudicação. Além disso, esta Companhia ganhou o concurso sobre a “prestação de serviços de manutenção de equipamentos da Biblioteca Central de Macau” nos seguintes cinco vezes.

O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base proferiu acórdão, absolvendo o arguido de dois crimes de abuso de poder, p.p. pelo artº 347º do CP e de um crime de violação de segredo, p.p. pelo artº 348º, nº 1 do mesmo Código, bem como de um crime de riqueza injustificada, p.p. pelo artº 28º, nº 1 da Lei nº 11/2003.

Inconformado, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, imputando ao Tribunal Colectivo recorrido a violação do artº 400º, nº 2, al. c) e nº 1 do CPP e do artº 347º do CP, por se verificar erro notório na apreciação da prova e erro na interpretação da lei. O Ministério Público entendeu que os actos ilícitos referidos constituíram um crime de abuso de poder, p.p. pelo artº 347º do CP, pelo que pediu a condenação do arguido na pena de prisão não inferior a um ano.

Tendo apreciado o processo, o Tribunal de Segunda Instância apontou os seguintes pontos fundamentais: Primeiro, a existência da relação estreita entre o irmão mais novo do arguido e C que se responsabiliza pela operação da Companhia X. Os dois não só conheceram-se quando estudavam em universidade, como também estabeleceram, posteriormente, uma empresa em conjunto e compraram bens imóveis na China. O irmão mais novo do arguido até sabe o código da conta bancária da Companhia X e tem poder de mobilizar o fundo. Segundo, não se pode dizer que não há interesse entre a posição do irmão mais novo do arguido na Companhia X e a participação da mesma empresa no concurso. A avaliação deste interesse não se deve limitar ao titular da empresa. O arguido, ao menos, deveria, por causa da relação mencionada, pedir escusa conforme o artº 50º do CPA, com vista a evitar que se suspeitasse da isenção da sua decisão. Terceiro, o outro irmão mais novo do arguido (E), técnico superior do IC responsável pelo trabalho nesta área, não interveio no procedimento que envolveu o projecto da Companhia X, o que mostrou que E pediu escusa conforme a lei. Então, porque o arguido, que era o presidente da comissão de selecção, não precisava de pedir escusa?

Pelo exposto, o TSI entendeu que o Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação do facto de o arguido pedir ou não escusa, do facto de o mesmo revelar a B que o preço proposto no último concurso era demasiado alto e do facto de revelar a B o preço para a fase experimental, incorrendo assim no vício previsto no artº 400º, nº 2, al. c) do CPP.

Nos termos expostos, o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, ordenando, nos termos do artº 418º do CPP, o reenvio do processo ao Tribunal a quo para que o objecto da acção fosse julgado na totalidade por um novo tribunal colectivo formado por juízes que não tinham intervindo na decisão recorrida.

Cfr. o acórdão proferido no processo nº 560/2016 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

15/01/2018