Em 10 de Janeiro de 2017, aproveitando a desatenção da vítima, o arguido subtraiu por trás do mesmo a mala de mão que era segurada pela axila esquerda deste último, bem como fugiu em direcção à Alameda Dr. Carlos d’Assumpção. A vítima foi logo perseguir o arguido e gritou em voz alta. Os agentes da Polícia Judiciária que passavam pelo local em causa, presenciaram a aludida situação e, em consequência, participaram também na perseguição do arguido. No decurso, o arguido abandonou a mala de mão em apreço na beira do caminho e continuou a fugir. Enfim, o arguido foi interceptado pelos agentes da PJ.
O arguido foi condenado em 1.ª Instância como autor material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punível pela alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância (TSI). Em 28 de Setembro de 2017, o Tribunal Colectivo do TSI manteve a condenação por Acórdão no Processo n.º 821/2017.
Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão do TSI, para o Tribunal de Última Instância (TUI), com fundamento em o mesmo se encontrar em oposição com o Acórdão do TUI, de 1 de Novembro de 2016, no Processo n.º 76/2016.
Por Acórdão de 24 de Janeiro de 2018, o TUI reconheceu a existência da referida oposição e determinou o prosseguimento do recurso, configurando a oposição da seguinte maneira:
Existe oposição entre os acórdãos de 28 de Setembro de 2017, no Processo n.º 821/2017, do TSI e o de 1 de Novembro de 2016, do TUI, no Processo n.º 76/2016, sobre a questão de saber quando se consuma o crime de furto ou de roubo, entendendo o primeiro que o agente atingiu o resultado do domínio de facto sobre a coisa móvel alheia logo na altura em que subtraiu e se apropriou da coisa móvel alheia, bem como abandonou o local em causa, pondo-se em fuga e consequentemente, a vítima perdeu o direito de controlo e de domínio sobre o seu bem; enquanto o segundo acórdão considerou que a subtracção no crime de furto ou de roubo traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção, sendo que a subtracção no crime de furto só se consuma quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, definindo-se esta estabilidade como aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
E o TUI tem jurisprudência uniforme sobre a questão em apreço, sempre no mesmo sentido, nos acórdãos de 22 de Maio de 2013, no Processo n.º 24/2013, de 30 de Setembro de 2014, no Processo n.º 67/2014, de 20 de Maio de 2015, no Processo n.º 18/2015, de 1 de Novembro de 2016, no Processo n.º 76/2016 e de 11 de Outubro de 2017, no Processo n.º 49/2017.
Em 25 de Abril de 2018, a Conferência do TUI conheceu o caso, entendendo que: Não se suscitam dúvidas sobre a existência de oposição sobre a mesma questão de direito entre os dois acórdãos, sendo esta a oposição fundamental, ou seja, a questão de direito sobre a qual incide a divergência foi determinante para as decisões dos casos concretos.
Normalmente, não é difícil saber-se quando é que um crime se consuma. Não obstante, há casos em que não é fácil concluir quando é que o crime está realizado. Um desses casos é, precisamente, o do crime de furto. Seja como for, afigura-se mais conforme com a noção de subtracção um entendimento que exija alguma estabilidade no domínio de facto da coisa pelo agente da infracção. Por exemplo, que o agente iluda a perseguição da vítima ou terceiro, que fique a salvo, ainda que por breves instantes. Para o efeito, alguma doutrina e jurisprudência têm propendido a que a subtracção só se efectiva quando o domínio do agente sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
Esta jurisprudência é de manter, por se afigurar mais conforme com as normas legais e os princípios jurídicos concernentes.
No caso dos autos, não se verificou a estabilidade mínima no domínio de facto do arguido, que se pôs em fuga por algumas dezenas de metros, logo após a apreensão da coisa, sempre seguido pela vítima e por agentes da Polícia Judiciária que passavam pelo local em causa, após o que o arguido dos autos largou a mala com o dinheiro, por não poder conservar a posse da mesma. Não se consumou, assim, a subtracção.
Procede, portanto, o recurso, na medida em que houve tentativa de furto e não crime consumado.
Face ao expendido:
A) Concedem provimento ao recurso, revogam o acórdão recorrido e condenam o arguido pela prática em autoria, de tentativa de um furto qualificado, nos termos dos artigos 22.º, n.º 3, 67.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 198.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
B) Nos termos do artigo 427.º do Código de Processo Penal, fixam a seguinte jurisprudência, obrigatória para os tribunais:
I – Nos crimes de furto e de roubo a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
II – A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
C) Ordenam o cumprimento do disposto no artigo 426.º do Código de Processo Penal.
Vide o Acórdão do TUI, no Processo n.º 84/2017.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
25/04/2018