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Homem que matou outra pessoa devido ao conflito provocado por palavras, foi condenado por homicídio simples por não se verificar circunstância agravante


A e B eram amigos de longa data. Em 18 de Setembro de 2016, cerca das 23H00, A, B e os outros amigos, como habitualmente, deslocaram-se a uma loja de massas, que se situa na Horta da Mitra. No convívio A gozou repetidamente com B, e enfim ambas as partes falaram com voz alta e usaram palavras tom agressivos. A resposta e atitude de B irritaram A, este dirigiu-se à loja de massas, da qual retirou uma concha de sopa em aço e bateu com força, por duas vezes a cabeça de B. Os dois, a seguir, agarraram um a outro, mas foram separados pelos outros. Cerca das 2H19, A descobriu ficar aleijado depois de lutar, ficando assim muito zangado. Então, aproximou-se duma tenda de venda na rua, que ficou perto da referida loja de massas, dela retirou uma faca metal para cortar frutas, para atacar B. Os dois lutaram outra vez, enquanto estavam a lutar, A desferiu a B uma facada no lado esquerdo do pescoço, e o sangue espirrou logo em grande quantidade. A seguir, A retirou a faca e fugiu. B foi transportado ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário, cerca das 2H34, e morreu após recebido tratamento urgente, pelas 2H57.

O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou o arguido A, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio voluntário, previsto e punível pelo artigo 128.º do Código Penal, na pena de 15 (quinze) anos de prisão.

O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que pretendia a condenação do arguido pelo crime de homicídio qualificado. O TSI negou provimento ao recurso do Ministério Público.

Recorre, novamente, o Ministério Público para o Tribunal de Última Instância (TUI), defendendo a condenação do arguido pelo crime de homicídio qualificado, por entender que agiu por motivo fútil.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.

O Tribunal Colectivo indicou que, a Parte Especial do Código Penal contém cinco tipos de homicídios voluntários. Entre outros um crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 129.º do Código Penal, quando a morte foi produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente. No entanto, a integração do facto num dos exemplos-padrão do n.º 2 do artigo 129.º do Código Penal não é bastante para assegurar a qualificação e que a não integração do facto num dos mesmos exemplos também não assegura a não qualificação. Dito de outra maneira: a integração num dos exemplos do n.º 2 do artigo 129.º não é nem necessária nem suficiente para garantir a qualificação do homicídio.

O Ministério Público entendeu que o arguido praticou o crime de homicídio qualificado por o arguido ter sido determinado por motivo fútil, o Tribunal Colectivo referiu: “por «qualquer motivo torpe ou fútil» significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito”. Quanto ao motivo do crime, a única coisa que resulta dos factos é que o crime terá sido praticado como reacção a palavras da vítima, que terão desagradado ao arguido. Embora, ao que pareça, terá sido o arguido a iniciar a troca de palavras desagradáveis com a vítima. Mas assim, não se pode dizer que o motivo do arguido tenha sido fútil. De facto, o arguido bebeu 4 garrafas de cerveja, com o menor conteúdo de cerveja (1,32 l), com 4,7% ou 5% de álcool, estaria certamente, pelo menos, embriagado parcialmente. Portanto, não se provou que o arguido tenha sido determinado por motivo fútil, improcedente o recurso desta parte.

Em relação à conduta do arguido pode ou não integrar-se nos conceitos indeterminados da cláusula geral qualificadora do n.º 1 do artigo 129.º, o Tribunal Colectivo entendeu que: a morte da vítima aconteceu numa pequena loja de comidas e bebidas, após ingestão por todos, de bebidas alcoólicas, o arguido começou a desconversar com a vítima, que lhe respondeu com palavras que não agradaram ao primeiro. O arguido envolveu-se então numa luta de corpo a corpo com a vítima, tendo sido separados pelos amigos. O arguido retirou-se, para voltar, poucos minutos depois, munido de uma faca de cortar fruta, que tirou de uma banca de fruta situada próxima. Com o que agrediu a vítima, acabando por lhe provocar a morte. Dos factos provados não pode considerar que a morte foi produzida em circunstâncias que revelam especial perversidade do agente. E também não se pode entender que a morte foi produzida em circunstâncias que revelam especial censurabilidade. Em conclusão, a conduta do arguido não integra a cláusula geral do n.º 1 do artigo 129.º do Código Penal, não constituiu o crime previsto e punível por aquele artigo. Improcedeu, também esta parte.

Face ao expendido, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso.

Cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 18/2018.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

26/04/2018