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Arguidos que se dedicaram ao tráfico transfronteiriço de droga “Cannabis” por via postal foram condenados pelo Tribunal de Última Instância pela prática do crime de tráfico de drogas


A partir de 2016, o arguido A e o arguido B, através de acordo mútuo, distribuição de tarefas e conjugação de esforços, enviaram, por via postal, droga do estrangeiro a Macau para ser vendida. O arguido B encarregava-se de enviar por via postal droga do estrangeiro para Macau, e o arguido A encarregava-se de receber em Macau a droga empacotada, e depois vender ao arguido C e a outros indivíduos não identificados. O arguido C, por sua vez, comprou a droga “Cannabis” e depois revendeu a terceiros.

No dia 15 de Dezembro de 2016, a PJ recebeu comunicações dos Serviços de Alfândega de Hong Kong, e obteve conhecimento de que o arguido B enviou droga por via postal do Canadá para Macau, sendo o destinatário o arguido A. A respectiva encomenda foi interceptada pelos Serviços de Alfândega de Hong Kong, que descobriu que se tratava de droga “Cannabis”. Em 17 de Dezembro de 2016, a PJ, conforme procedimento legal, recebeu e apreendeu a encomenda remetida pelos Serviços de Alfândega de Hong Kong, bem como, extraiu a planta na encomenda para a submeter ao exame laboratorial, através do qual se verificou que a planta na encomenda era “Cannabis”. Seguidamente, a PJ montou vigilância à respectiva encomenda e detiveram os arguidos A e B depois de estes terem levantado tal encomenda na companhia de correio rápido.

Em 17 de Outubro de 2017, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, tendo apreciado o caso, condenou o arguido A e o arguido B pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 1 crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, respectivamente na pena de 8 anos e 6 meses de prisão efectiva; e condenou o arguido C pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, na pena de 7 anos e 3 meses de prisão efectiva.

Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos A, B e C para o Tribunal da Segunda Instância. No dia 18 de Janeiro de 2018, o TSI negou provimento ao recurso dos 3 arguidos, mantendo a decisão do tribunal a quo.

Ainda inconformados, recorreram os arguidos A e B para o Tribunal de Última Instância.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.

No primeiro lugar, entenderam os dois recorrentes que as provas obtidas pela PJ através de apreensão da encomenda e outros meios são provas obtidas mediante perturbação da liberdade de vontade ou decisão através de utilização de meios enganosos, pelo que devem ser nulas por força do disposto no art.º 113.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPP. Indicou o TUI que a idoneidade do meio enganoso para atingir a liberdade de vontade ou decisão deve ser aferida no circunstancialismo do caso concreto, em conjugação com os elementos apurados no caso. Há que distinguir os casos em que a actuação do agente policial cria uma intenção criminosa, até então inexistente, dos casos em que o arguido já está fortemente inclinado a delinquir, sendo que a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão. O Tribunal Colectivo salientou que os actos de investigação não se podem tornar em impulso ou instigação para a prática da actividade criminosa. In casu, as actividades de tráfico de droga começaram a partir da expedição, por parte do arguido B, da encomenda no Canadá, que passou a entrar na circulação. A actuação policial não implica a desistência por parte dos arguidos das actividades criminosas nem provoca a prática das mesmas, que na realidade já se encontram em execução. Por outro lado, ao comando do art.º 112.º do CPP, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Improcede, assim, este fundamento dos recorrentes.

Além disso, os dois recorrentes alegaram que o tribunal a quo deu simultaneamente como provado que a encomenda foi enviada pelo recorrente B antes de este se deslocar para Macau e por um terceiro após o recorrente B ter abandonado o Canadá, verificando-se, assim, a contradição insanável da fundamentação referida na al. b) e o erro notório na apreciação da prova mencionado na al. c) do n.º 2 do art.º 400.º do CPP. O TUI indicou que a contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível, ou seja, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum. No caso em apreciação, a data de envio da encomenda revelada no respectivo recibo foi posterior à de regresso do recorrente B do Canadá a Macau, e parece que existe a contradição entre as provas, mas na realidade, não se verifica tal contradição, porque os elementos constantes dos autos, nomeadamente os documentos respeitantes à encomenda, respectivamente oferecidos pela companhia de correio rápido e pelo recorrente B ao recorrente A, que contêm o mesmo número, e os registos das conversas telefónicas feitas entre os dois recorrentes sobre a mesma encomenda, revelam sem dúvida que o pacote foi mandado pelo recorrente B ao recorrente A, mesmo com colaboração de um terceiro. Por isso, não se vislumbra a contradição indicada pelos recorrentes.

Por outro lado, indicou o TUI que, existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores. Constata-se nos autos que o tribunal a quo formou a sua convicção com base na análise e apreciação de todas as provas produzidas, incluindo as declarações prestadas pelas testemunhas, as provas documentais e os objectos apreendidos, não se verificando o referido vício. Também não assiste razão aos recorrentes nesta parte.

Em fim, os dois recorrentes suscitaram a questão do excesso da medida da pena. Indicou o TUI que o crime pelo qual foram condenados os dois recorrentes é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão, e dos autos não resultam quaisquer circunstâncias que militem a favor dos recorrentes, com excepção de ser o recorrente A delinquente primário. Não houve confissão por parte dos recorrentes, que em audiência de julgamento mantiveram silêncio. A factualidade assente revela que é intenso o dolo dos recorrentes e são graves os factos ilícitos. No que tange às finalidades da pena, tendo em conta que o crime de tráfico de drogas é sempre frequente em Macau e põe em risco a saúde pública e a paz social, são prementes as exigências de prevenção geral. E há que atender ainda ao carácter transfronteiriço dos factos ilícitos praticados pelos recorrentes. Pelo exposto, o TUI não entendeu excessiva a pena de 8 anos e 6 meses de prisão aplicada aos recorrentes.

Face ao expendido, o Tribunal Colectivo do TUI negou provimento ao recurso.

Cfr. o Acórdão do TUI no Processo n.º 14/2018.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

06/05/2018