A Sociedade de Importação e Exportação Polytex, Lda., concessionária do terreno designado por lote “P” sito nos aterros da Areia Preta onde se encontra o edifício Pearl Horizon, interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) do Despacho do Chefe do Executivo de 26 de Janeiro de 2016, que declarou a caducidade do contrato de concessão provisória do terreno. O TSI, por acórdão de 19 de Outubro de 2017, negou provimento ao recurso contencioso, mantendo o acto recorrido. Inconformada, interpôs a Sociedade de Importação e Exportação Polytex, Limitada, recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
O TUI conheceu da causa.
Antes de mais, o Tribunal Colectivo indicou que à declaração de caducidade da concessão do terreno por decurso do prazo aplica-se a nova Lei de Terras.
Quanto à caducidade do contrato de concessão por arrendamento na nova Lei de Terras e a situação do terreno dos autos, apontou o Tribunal Colectivo que: a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. E que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos. A lei estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas. Daí que se possa concluir que decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória, o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação. Dispõe-se expressamente que o prazo máximo é de 25 anos.
Por outro lado, a prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização. Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva. O Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo, se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, não tendo ele que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Mais ainda, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo. Isto resulta da circunstância de o n.º 5 do artigo 104.º dispor que “A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”. Quer dizer, a propósito do prazo de aproveitamento do terreno (no caso, o prazo de 96 meses), a lei permite que, a requerimento do concessionário, o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário. Mas relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Desta maneira, pode-se qualificar a caducidade por decurso do prazo da concessão como caducidade-preclusão (porque depende apenas do decurso do prazo e da constatação objectiva da falta de apresentação da licença de utilização do prédio por parte do concessionário) e a caducidade por incumprimento do concessionário do prazo de aproveitamento do terreno como caducidade-sanção. O caso dos presentes autos é da primeira situação, em que a caducidade da concessão resulta do disposto nos artigos 44.º, 47.º, n.º 1 e 48.º, n.º 1, da Lei de Terras.
Além disso, a recorrente suscitou também as seguintes questões: o lote P foi aproveitado com a construção efectiva das respectivas instalações para indústria, tendo a entidade administrativa competente emitido as respectivas licenças de utilização e, por esta razão, verificou-se o aproveitamento mínimo do terreno previsto na antiga Lei de Terras, pelo que a concessão onerosa referente ao lote P é, em rigor, materialmente uma concessão definitiva; atenta a natureza administrativa do contrato e a expressa limitação imposta à Administração na utilização do seu direito de modificação unilateral, impunha-se sobre a RAEM o dever de repor o equilíbrio financeiro do contrato, sendo que, a única via adequada ao caso concreto a que se pode apelar para prosseguir a finalidade de reposição do equilíbrio financeiro seria a de prorrogar o prazo fixado para a concretização do aproveitamento e da concessão pelo período em que este não pôde ser concretizado por efeito da conduta soberana da Administração; e por fim, o acto recorrido padece ainda dos vícios de violação dos princípios da imparcialidade, boa-fé e da proporcionalidade, de abuso de direito, de interpretação desconforme com a Lei Básica e de preterição de audiência prévia.
Relativamente a estes argumentos, o Tribunal Colectivo também julgou-os improcedentes, de seguinte forma: a concessão do Lote P, em que houve aproveitamento do terreno foi a concessão destinada a instalações industriais. Só que, 14 anos depois, foi a concessionária que, prescindindo da sua vocação de empresa industrial, pediu a transformação da finalidade da concessão em construção de comércio e habitação, o que viria a ser deferido em 2006, com novas cláusulas sobre o aproveitamento do terreno para esta última finalidade, assim, a alegação do aproveitamento mínimo do terreno não tem substância; quando a Administração exerce o seu poder de modificação unilateral do conteúdo das prestações, com fundamento na alínea a) do artigo 167.º do Código de Procedimento Administrativo, tal equilíbrio pode ter lugar por várias formas, não tem necessariamente de passar pela prorrogação do prazo do contrato, nem está, igualmente, afastada a possibilidade de a Administração ter de indemnizar a recorrente se esta, no local próprio, demonstrar os pressupostos da responsabilidade civil da Administração; os princípios da imparcialidade, boa-fé e da proporcionalidade são vícios próprios de actos discricionários, sendo que nos presentes autos, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, assim não existe vício de violação dos alegados princípios; a declaração de caducidade no caso dos autos constituíu um poder-dever da Administração, prescrito por normas imperativas, pelo que não pode estar em causa qualquer abuso de direito, por não existir qualquer direito; só haveria interpretação desconforme com a Lei Básica, se a Ordem Jurídica não tivesse os meios para a recorrente se ressarcir no caso de, por facto ilícito e culposo da Região, ter tido prejuízos, mas, como se disse, é possível à recorrente accionar a Região se se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil da Região, previstos em lei geral, assim, improcede também este argumento; por fim, sempre que no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, como no caso, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo, pelo que improcede também a alegação de preterição de audiência prévia.
Face ao exposto, o Tribunal de Última Instância negou provimento ao recurso jurisdicional, mantendo o acto administrativo recorrido.
Cfr. o Acórdão do Tribunal de Última Instância, Processo n.º 7/2018.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
23/05/2018