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Foram condenados pela prática, por omissão, de crime de ofensa grave à integridade física quatro guardas que, com perfeito conhecimento de que a vítima estava a ser alvo de agressões, nada fizeram para as impedir


Em 28 de Março de 2007, por volta da 01h30, e numa operação policial, a vítima foi interceptada e levada pelos guardas policiais para o Comissariado n.º 3 do Corpo de Polícia de Segurança Pública, a fim de ser feita mais investigação. Quando se encontrava no escritório do Núcleo de Investigação, a vítima deu, subitamente, um soco na cara de um guarda, que lhe questionou quanto ao comprimido que foi encontrado na posse deste. Reparada a situação, os outros quatro guardas A, B, C e D (adiante designados por quatro guardas em causa), que estavam no escritório, impediram logo que a vítima praticasse o acto em apreço, bem como a subjugaram imediatamente. A seguir, a vítima foi algemada nas mãos e nos pés com duas algemas e, na altura, os quatro guardas em causa estavam presentes no local. Pouco antes das 02h57, em situação desconhecida, a vítima sofreu agressões graves de que lhe resultaram lesões fatais, com imensas dores e vários ferimentos no corpo, na face e nos pés da mesma. Os quatro guardas em causa não tomaram, tempestivamente, medidas para impedirem as agressões nem prestaram assistência, mesmo que tivessem conhecimento das agressões à vítima. Pelas agressões em apreço, a vítima começou a perder a consciência e, depois, por não se verificar sinal do melhoramento da situação da vítima, por volta das 03h30, foi chamada uma ambulância para levar a vítima ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para ser socorrida. A vítima já não tinha sinal de vida ao chegar ao hospital às 03h35, e, às 04h00 do mesmo dia, foi declarado o óbito da vítima.

O Ministério Público deduziu acusação contra os quatro guardas em causa. Em 15 de Dezembro de 2015, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou os quatro arguidos, respectivamente, pela prática, em co-autoria material, por omissão e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física p.p. pelo art.º 138.º, al. c), conjugado com o art.º 139.º n.º 1, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 7 anos de prisão. Inconformados com a decisão, recorreram todos os arguidos para o TSI, que negou provimento ao recurso. Vindo os mesmos recorrer para o TUI, entenderam que a factualidade apurada e dada por assente nos tribunais de 1ª instância e 2ª instância e mormente no TSI não se mostra suficiente nem suporta a decisão condenatória proferida, incorrendo, assim, em erro de direito ao fundar a condenação nestes factos, e que não é aplicável in casu os art.ºs 138.º, 139.º e 9.º do Código Penal.

O TUI conheceu da causa.

O Tribunal Colectivo indicou que, da norma do art.º 9.º do Código Penal resulta que, o crime de resultado não há de ser cometido por acção, mas também pode ser por omissão, sendo que a lei estabelece uma equiparação da acção à omissão. A punição de omissão depende da verificação de dois pressupostos, um referente à adequação da omissão a evitar o resultado e outro é a imposição de um dever jurídico na pessoa do omitente de evitar o resultado. Consagra-se no n.º 1 do art.º 9.º do Código Penal uma teoria de causalidade adequada. Nos crimes de resultado cometidos por omissão, é indispensável que a abstenção de agir seja adequada a produzir o resultado incluído no tipo legal. E relativamente ao exigido dever jurídico, que recai sobre o omitente para evitar o resultado, a comissão por omissão é punida quando o dever de agir é imposto por preceito legal, por situação contratual ou profissional, ou ainda por um dever de ordem jurídica que pessoalmente obrigue o omitente a evitar o resultado. O Tribunal Colectivo salientou que, no que concerne concretamente ao crime de ofensa à integridade física, o preenchimento do tipo legal em análise tanto pode ter lugar por acção, como por omissão quando sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado (dever jurídico de garante).

O Tribunal Colectivo entendeu que, decorre da factualidade assente que, os recorrentes não tomaram tempestivamente medidas para impedirem as agressões à vítima nem lhe prestaram tempestivamente assistência necessária, mesmo que tivessem conhecimento das agressões, os recorrentes não fizeram tempestivamente nada para evitar a morte da vítima. Ao Tribunal Colectivo parece ser evidente que sobre os recorrentes, enquanto agentes da PSP, recaia um dever jurídico que pessoalmente os obriga a evitar a morte da vítima, violaram, assim, deliberadamente os recorrentes os deveres que lhes são impostos por lei, ao abster-se de agir. Assim sendo, o Tribunal Colectivo entendeu ser suficiente a matéria de facto dada como provada nos autos para a decisão que condenou os recorrentes pela prática, em co-autoria material, por omissão e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física p.p. pelo art.º 138.º, al. c), conjugado com o art.º 139.º n.º 1, al. b), ambos do Código Penal.

Face ao expendido, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso.

Vide o Acórdão do TUI, no Processo n.º 16/2018.