A, titular duma empresa de embelezamento de automóveis, recrutou, através duma agência de emprego, os ofendidos B e C para exercerem na sua empresa, respectivamente, as funções de inspector de Unidades de Controlo Electrónico e as de mecânico de automóveis, tendo subscrito, por escrito, dos pedidos de autorização de permanência temporária dos dois ofendidos como trabalhadores não residentes. Aos ofendidos foi autorizada, em 18 e 12 de Julho de 2016, a permanência temporária como trabalhadores não residentes. De acordo com o despacho do Gabinete para os Recursos Humanos, A tinha-se comprometido a pagar mensalmente a B e C, a título de remuneração base, as quantias de MOP$8.000 e de MOP$7.400, respectivamente. No entanto, após obtida a autorização de permanência temporária, B e C não conseguiram contactar A de modo a celebrar contratos e iniciar os trabalhos. Depois, vieram os dois apresentar queixa à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais em 3 de Agosto de 2016, e tratar das formalidades relativas ao cancelamento do Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente em 15 de Agosto de 2016. O Ministério Público deduziu acusação contra A, pela prática de duas contravenções previstas pelas disposições conjugadas do art.º 20.º da Lei n.º 21/2009, e dos art.ºs 10.º, al. 2), 77.º e 85.º, n.º 3, al. 5) da Lei n.º 7/2008, visto ter o mesmo obstado injustificadamente à prestação efectiva de trabalho por B e C e faltado ao pagamento das compensações devidas pela cessação das relações de trabalho.
Após o julgamento, em 6 de Julho de 2017, o Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base proferiu sentença, indicando que os dois ofendidos não celebraram com A contrato verbal ou escrito de trabalho, nem lhe prestaram qualquer trabalho, pelo que não se podia afirmar a existência de relação de trabalho entre A e os ofendidos ou a aplicabilidade ao caso da legislação laboral, tampouco se podia dar como provado que A obstou injustificadamente à prestação efectiva de trabalho pelos ofendidos e faltou ao pagamento das compensações devidas pela cessação das relações de trabalho. Assim sendo, absolveu A das duas contravenções que lhe foram imputadas e não concedeu as compensações reclamadas.
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que a sentença recorrida, ao entender que inexistia contrato verbal ou escrito de trabalho entre A e os ofendidos B e C, enfermou do vício de erro notório na apreciação da prova aludido no art.º 400.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, solicitando que fosse A condenado pelas assacadas contravenções, com condenação também no pagamento a B e C das quantias indemnizatórias previamente calculadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
O Tribunal de Segunda Instância apreciou o processo. Segundo asseverou o Tribunal Colectivo, o facto, relatado pelo inspector da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais ouvido como testemunha na audiência de julgamento, de B e C não terem chegado a ter contacto com A no procedimento de pedido de autorização de permanência temporária deles como trabalhadores não residentes, é neutro no tocante à verificação ou não da existência de algum contrato verbal ou escrito de trabalho entre eles. O art.º 6.º da Lei n.º 21/2009 prevê que os trabalhadores não residentes podem ser recrutados directamente pelo empregador ou através de uma agência de emprego licenciada. Quando esse recrutamento é feito pela agência de emprego, é natural e frequente que não há contacto pessoal prévio entre os recrutandos e o empregador. Aliás, o facto de A ter subscrito em 11 de Julho de 2016, os pedidos de autorização de permanência dos ofendidos B e C como trabalhadores não residentes já indicia a existência de consenso verbal no referente à contratação desses como seus trabalhadores, ainda que não tenha havido contacto directo entre eles.
Por esse motivo, andou evidentemente ao arrepio das regras da experiência humana a decisão tomada pelo Tribunal a quo a nível de julgamento de factos quando este julgou provado que A não celebrou contrato escrito ou verbal de trabalho com os dois ofendidos, verificando-se, pois, o vício de erro notório na apreciação da prova, estabelecido no art.º 400.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal. Em consonância com os n.ºs 1 e 2 do art.º 418.º do mesmo diploma, é de reenviar o processo para novo julgamento.
Face ao exposto, o Tribunal Colectivo acordou em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, determinando o reenvio do processo para novo julgamento pelo Tribunal Judicial de Base.
Vide Acórdão do TSI, no processo n.º 884/2017.