O Comissariado da Auditoria (adiante designado por CA) divulga o relatório de auditoria de resultados intitulado“Planeamento e implementação do Governo Electrónico”. A presente auditoria teve como objectivo avaliar se o planeamento e a implementação do Governo Electrónico realizados pela Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (adiante designada por SAFP) foram devidamente levados a cabo, isto é, se houve uma boa ponderação e organização dos trabalhos no sentido de garantir que os referidos trabalhos foram executados de forma metódica e, bem assim, se os objectivos traçados por esse organismo público foram ou não atingidos.
O relatório revela que,de 2001 até 2016, o SAFP investiu 237346502,41 patacas no desenvolvimento do Governo Electrónico, e elaborou um total de quatro planos para a sua implementação. Até 31 de Dezembro de 2016, dos 61 trabalhos que podiam ser objecto de avaliação em relação à sua execução, apenas 39 tinham sido concluídos, representando 63,93% do total de trabalhos previstos, o que reflecte uma baixa taxa de execução. Relativamente aos restantes projectos – que, até à data referida, eram 22 –, 16 deles tinham sido propostos há mais de dez anos e ainda não tinham sido concluídos.
O SAFP salientou que, até à sua restruturação em 2011, não lhe cabia coordenar os trabalhos de implementação do Governo Electrónico, tendo admitido porém que tem havido deficiências na implementação dos projectos planeados. Na verdade,de acordo com a sua Lei Orgânica de 1994 – ou seja, antes da reestruturação de 2011 – verificou-se que já era da competência do SAFP a modernização da Administração Pública. Em 2001, por Despacho da Secretária para a Administração e Justiça foi criado um grupo de trabalho interserviços para implementação do Governo Electrónico, cuja coordenação ficaria a cargo do Director do SAFP. Pelo exposto, quer antes, quer depois da sua reestruturação, o SAFP foi sempre a entidade com competência para desenvolver e implementar o Governo Electrónico. Apesar de – supostamente – as competências para a organização e coordenação da implementação do mesmo apenas lhe terem sido atribuídas após a referida reestruturação, ainda assim, em Agosto de 2016, antes da elaboração da presente auditoria, foi decidido que um grande número de projectos avançaria sob a forma de projectos-piloto.
O relatório de auditoria verificou por amostragem a execução efectiva do sistema de gestão de pessoal e do “ePass” criados pelo sujeito a auditoria, tendo-se constatado que os módulos de gestão de pessoal apresentados em 2001, nomeadamente o “Sistema de pedidos de férias”, o “Sistema de recolha de dados dos recursos humanos” e o “Sistema de inscrição em acções de formação”, foram desenvolvidos de forma grosseira e imprudente, sem ter tido em conta as condições essenciais para sua elaboração, ou seja, todo o processo de elaboração dos projectos desde o início que enfermam de deficiências. Consequentemente houve questões relacionadas com a segurança dos dados dos recursos humanos e a sua transmissão através da rede, fazendo com que o “Sistema de pedidos de férias” só entrasse em funcionamento em 2010, depois de terem sido desenvolvidas as tecnologias necessárias para resolver estas questões.Relativamente aos restantes sistemas, estes demoraram cerca de 13 anos a serem desenvolvidos e só entraram em funcionamento em 2015. O relatório também revela que, durante o desenvolvimento do sistema de gestão de pessoal, o SAFP não consultou os serviços que o iriam utilizar, além disso, este sistema não disponibilizava na íntegra os dados dos recursos humanos de modo a permitir a liquidação das remunerações mensais dos trabalhadores em conjugação com o sistema de despesas dos serviços públicos. Aliás, depois da sua implementação, o SAFP não foi capaz de dar o devido acompanhamento aos serviços públicos que participaram no período experimental do sistema. Estas funções que se encontram desajustadas da realidade diminuem drasticamente a vontade de outros serviços públicos utilizarem o sistema de gestão de pessoal. Até 31 de Dezembro de 2016, apenas 22 dos 97 serviços públicos o estavam a usar, correspondendo a 22,68%. Por outro lado, em relação à informatização dos procedimentos internos de gestão de pessoal anunciada em 2006, segundo os dados fornecidos pelo SAFP existem 18 impressos constantes do Regime Jurídico da Função Pública e todos eles necessitavam de ser informatizados, contudo, até final de 2016 – ou seja, dez anos depois desse anúncio - o modelo de “Participação de Faltas e Férias” é o único impresso que pode ser preenchido electronicamente. Ora, pode verificar-se que a implementação da informatização pelo SAFP é extremamente ineficaz e ineficiente.
No que diz respeito aos trabalhos de implementação do “ePass” – que foi lançado em Novembro de 2009 pelo SAFP e que permite aos cidadãos acederem, através de uma conta criada para o efeito, a serviços públicos online – , devido à forma descuidada como esta plataforma foi planeada quanto aos seus destinatários, até ao momento, o “ePass” apenas se destina a residentes de Macau que tenham completado 18 anos, deixando de fora os não residentes e as pessoas colectivas. Por outro lado, não foi elaborado qualquer diploma legal que enquadrasse e regulasse esta plataforma, pondo-se o problema da produção de efeitos jurídicos dos actos aí praticados, bem como, o problema da verificação da identidade dos utilizadores. Até 31 de Dezembro de 2016, apenas sete serviços públicos disponibilizavam serviços nesta plataforma, a maioria deles relacionados com serviços de consulta e, até à elaboração do presente relatório de auditoria, foram apenas criadas 5800 contas individuais.
O Relatório de Auditoria também demonstra que, embora o SAFP tenha efectuado uma revisão em 2012 por forma a resolver as questões do “ePass” e tivesse anunciado a realização de estudos sobre a criação de um mecanismo de identificação unificado – algo que já tinha sido proposto em planos anteriores, tendo até sido definidos prazos para a sua conclusão, tal nunca foi concretizado. No Relatório das Linhas de Acção Governativa de 2017, foi proposto o respectivo enquadramento legal, tendo a sua conclusão sido prevista para 2018, no entanto, sem se especificar uma data concreta. Face ao exposto, as questões dos efeitos jurídicos dos actos praticados no “ePass” bem como a dos seus destinatários continuam por resolver; dito de outro modo, o objectivo pretendido com a criação do “ePass” ainda não foi alcançado. É de salientar que, em Junho de 2018, quando o Serviço em análise respondeu às questões colocadas pelo CA, foi afirmado que o projecto-piloto da plataforma de inscrição para o concurso de ingresso na Função Pública se baseou no mecanismo de identificação unificado. Na verdade, o que constava dos planos era que esse mecanismo deveria servir apenas para regular o acesso às contas electrónicas, o cartão de identificação de tipo inteligente e os certificados electrónicos, enquanto as regulamentações relativas ao concurso de ingresso apenas produziriam efeitos jurídicos em relação à apresentação electrónica de candidaturas. Portanto, a questão dos efeitos jurídicos dos actos praticados no “ePass” continua por resolver.
Nos comentários gerais do presente Relatório é afirmado queo Governo da RAEM tem vindo a promover, de forma activa, o desenvolvimento do Governo Electrónico. Um dos objectivos do “Plano Quinquenal do Desenvolvimento da RAEM (2016 – 2020)”, é a criação de uma cidade inteligente de modo a criar uma cidade mais habitável para que Macau não fique atrás das regiões vizinhas e, através de meios científicos e tecnológicos, melhorar a gestão da sociedade, elevando a qualidade e a eficiência dos serviços públicos prestados de modo a melhor responder às necessidades da população.
Nas últimas duas décadas, o desenvolvimento do Governo Electrónico liderado pelo SAFP, não foi capaz de acompanhar a evolução dos tempos. Mais, alguns trabalhos essenciais durante vários anos nunca chegaram a passar da fase inicial. Não obstante se ter enfatizado, repetidamente, nos Relatórios das Linhas de Acção Governativa, a realização de estudos, a optimização e o planeamento do Governo Electrónico, devido à falta de um plano global viável e de um calendário estabelecidos, bem como a falta de uma orientação clara e única no seu desenvolvimento, fez com que cada serviço público seguisse o seu caminho, acabando cada um desses serviços por criar os seus próprios sistemas e plataformas. Assim, não foi possível criar uma plataforma de serviços uniforme, intuitiva e segura. Além disso, existem vários sistemas que não são compatíveis entre si. Os resultados do presente relatório de auditoria revelam que o SAFP não tem consciência do quão abrangente é implementação de um Governo Electrónico e a importância que este tem no sentido de ajudar a melhorar o funcionamento dos serviços públicos, muito menos tem consciência da necessidade de prestação à população de serviços electrónicos seguros e convenientes. Além do mais, devido à sua forma de trabalhar e o seu nível técnico, o SAFP nunca chegou a satisfazer as necessidades efectivas dos serviços públicos e dos cidadãos. Em consequência disso, os sistemas e plataformas lançados, ou não eram eficientes ou tinham uma baixa taxa de utilização, desviando-se profundamente da intenção de melhorar os trabalhos do Governo e promover o desenvolvimento económico e social através do Governo Electrónico.
O relatório de auditoria aponta quea actuação do SAFP não serviu de exemplo para a Administração Pública. Verificaram-se atrasos no fornecimento dos documentos exigidos pela equipa de auditoria, tendo havido documentos que foram recebidos por este Comissariado mais de meio ano após o pedido ser feito. Na confirmação das verificações de auditoria através de documentos oficiais, o SAFP afirmou que as declarações prestadas anteriormente não correspondiam à verdade, procurando esse serviço rectificar as verificações de auditoria. O CA afirma que, enquanto serviço responsável pela Administração Pública, o SAFP devia ser mais eficiente, honesto e fiável. No entanto, os factos relatados na presente auditoria e a actuação do SAFP ao longo desta auditoria que provocaram atrasos nos trabalhos de auditoria demonstraram que existe uma grande margem para melhorar a forma como gere os seus trabalhos e o exercício das suas atribuições, devendo o SAFP reconhecer e analisar esses problemas, e proceder a uma reforma profunda.
O relatório de auditoria de resultados foi já submetido ao Chefe do Executivo, podendo os interessados aceder à sua versão electrónica através do site do CA (http://www.ca.gov.mo) ou levantar exemplares em papel, disponibilizados na sua sede, durante o horário de expediente.