Grupo de Construção Top, Limitada e Top Builders Internacional, Limitada interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho de 29 de Novembro de 2016, do Chefe do Executivo, que adjudicou a empreitada de construção de habitação social de Mong Há – Fase 2 e de reconstrução do Pavilhão Desportivo de Mong Há, ao Consórcio formado pela Companhia de Construção de Obras Portuárias Zhen Hwa, Limitada e Companhia de Construção & Engenharia Shing Lung, Limitada. O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância (TSI) indicou que o facto de, os Consórcios, classificados em 1º e 3º lugares, duas das empresas integrantes dos mesmos, terem, como sócio e administrador, a mesma pessoa que, aliás, assinou as duas propostas dos dois consórcios, falseava as condições normais de concorrência, o que impunha a rejeição das duas propostas. Pelo exposto, o TSI concedeu provimento ao recurso contencioso e anulou o acto recorrido. Inconformado, interpôs o Chefe do Executivo recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
Indicou o Chefe do Executivo, na sua alegação do recurso, que o artigo 96.º do Decreto-Lei nº 74/99/M não impõe ao dono da obra um dever de não adjudicação, pois, apenas se limitando a atribuir o direito de não adjudicação, não deve ser anulado o acto de adjudicação de uma empreitada, ainda que tenha havido violação do princípio a que se refere o artigo 5.º do mesmo diploma legal. Assim, na opinião do Chefe do Executivo, o TSI incorreu em erro, quando sustentou a sua decisão nos artigos 5.º e 96.º do Decreto-Lei nº 74/99/M.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso, o Tribunal Colectivo indicou que a doutrina portuguesa mais qualificada, ao tempo em que o Decreto-Lei n.º 48871, de 19 de Fevereiro de 1969, estatuía o regime jurídico do contrato de empreitada de obras públicas, considerava que a norma correspondente ao artigo 96.º deste Decreto-Lei n.º 74/99/M, o artigo 92.º daquele Decreto-Lei n.º 48871, atribuía poderes discricionários ao dono da obra de adjudicar, ou não, a obra. Por outro lado, a letra do artigo 96.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M não deixa, face aos n.ºs 1 e 2 do artigo 8º do Código Civil, à ratio legis da lei e a outros elementos de interpretação, muitas dúvidas. O Tribunal Colectivo salientou que o dono da obra tem o direito de não adjudicar, não tem um dever de não adjudicar. Isto é, o dono da obra exerce um poder discricionário de adjudicar ou de não adjudicar, quando se esteja perante uma das situações, previstas no artigo 96.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M.
No que concerne à interpretação do n.º 1 do artigo 5.º e da alínea f) do artigo 96.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, o Tribunal Colectivo indicou que o n.º 1 do artigo 5.º abrange todos os actos ou acordos susceptíveis de falsear as condições normais de concorrência. A alínea f) do artigo 96.º tão-só abrange uma parte desses acordos, aqueles em que haja conluio entre os concorrentes. No n.º 1 do artigo 5.º, a rejeição das propostas e candidaturas exige prova da prática de actos ou acordos susceptíveis de falsear as condições normais de concorrência. Já quanto à alínea f) do artigo 96.º, basta uma forte presunção de conluio entre os concorrentes, mas não exige uma prova cabal desse conluio. Assim, para que a rejeição das propostas seja oponível ao dono da obra, há que fazer-se prova da prática de quaisquer actos ou acordos susceptíveis de falsear as condições normais de concorrência e não apenas a de conluio entre os concorrentes. Para que o dono da obra tenha o direito de adjudicar ou de não adjudicar a empreitada, basta haver forte presunção de conluio entre os concorrentes.
No caso dos autos, não vem impugnado o entendimento de que existem actos, subjacentes às propostas dos dois aludidos concorrentes, susceptíveis de falsear as condições normais de concorrência, o que integra a previsão do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M. Embora o TSI invoque, erradamente, o artigo 96.º, tal é de todo irrelevante, já que o exercício dos poderes, previstos no artigo 5.º, n.º 1, é de natureza vinculada.
Face ao expendido, o Tribunal Colectivo decide negar provimento ao recurso, uma vez que as propostas tinham de ser rejeitadas.
Cfr. o Acórdão do TUI, no Processo n.º 66/2018.