No início de 2008, A recomendou, activamente, a E e G o investimento na compra de terras de “escritura de papel de seda” de Coloane, alegando haver descoberto um terreno de “escritura de papel de seda”, oposto ao Hellene Garden de Hac Sa, de Coloane. A levou-os a fazer uma “visita in loco” e referiu-lhes que o ex-proprietário do terreno já apresentara ao Governo o pedido de construção de um projecto que fora aprovado, mas como não pagara o preço do terreno, o projecto ficara suspenso; se eles comprassem esse terreno e pagassem o respectivo preço, poderiam continuar a executar o projecto. Em 28 de Agosto de 2008, num Escritório de Advogados na presença do D, na qualidade de fiscalizador da Associação de Mútuo Auxílio de Hac Sa, como testemunha, a Sociedade A, estabelecida pelos compradores do referido terreno (E, G, H, F, A e J), e o “proprietário” do terreno B assinaram o contrato de compra e venda, pelo preço global de HKD$17.500.000,00; em consequência, ficou concluída a transacção de compra e venda do referido terreno de “escritura de papel de seda”.
Por finais de 2008, A recomendou e persuadiu os sócios a comprar um outro terreno de “escritura de papel de seda”, situado na ilha de Coloane, junto ao entroncamento entre a Estrada de Hac Sá e a Avenida de Luís de Camões, pelo preço de HKD$9.000.000,00. A revelou que a integração e o desenvolvimento dos dois terrenos em conjunto gerariam maior espaço e mais lucros futuros. No fim, por persuasão de A, os sócios concordaram em comprar o dito terreno e, em 17 de Fevereiro de 2009, A e E, em representação da Sociedade A, celebraram com C, o “proprietário”, um “contrato-promessa de transmissão dos direitos” do terreno de “escritura de papel de seda”.
Na verdade, as “escrituras de papel de seda” dos aludidos terrenos não são documentos válidos, comprovativos do direito de propriedade de terra, e ambos terrenos são bens do domínio público da RAEM. Em 21 de Abril e 19 de Junho de 2009, a DSSOPT publicou, sucessivamente, editais, anunciando que os ditos terrenos pertenciam ao Governo e que estavam ilegalmente ocupados, ordenando à Sociedade A que os desocupasse, removesse todos os objectos, materiais e equipamentos nele guardados e os devolvesse ao Governo da RAEM, sem direito a qualquer indemnização.
Nesta conformidade a A, B, C e D foi imputada, ao abrigo do art.º 211.º n.º 4, al. a), conjugado com o art.º 196.º, al. b) do Código Penal, a prática de 2 crimes de burla de valor consideravelmente elevado. Após conhecer do caso, o Tribunal Judicial de Base (TJB) absolveu o arguido D, enquanto os arguidos A, B e C foram, ao abrigo do art.º 211.º n.º 4, al. a), conjugado com o art.º 196.º, al. b) do Código Penal, condenados pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 2 crimes de burla de valor consideravelmente elevado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão cada. Em cúmulo jurídico, foram os três arguidos A, B e C condenados na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva, bem como, ainda, no pagamento solidário aos ofendidos de uma indemnização no valor total de HKD$14.312.500,00.
Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos A, B e C para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que decidiu julgar improcedentes os seus interpostos recursos, mantendo o acórdão recorrido.
Inconformados, os três recorrentes recorreram para o Tribunal de Última Instância (TUI), invocando as questões de impedimento dos dois Juízes do Tribunal Colectivo do TSI, e da legitimidade de os ofendidos serem indemnizados, entre outras.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.
Quanto à questão do impedimento dos Juízes, o Tribunal Colectivo entendeu que, nos termos do art.º 29.º do Código de Processo Penal, nenhum juiz pode intervir em recurso interposto duma decisão que tenha proferido ou em que tenha participado; é evidente não estar em causa a situação que impôs o impedimento dos Juízes, já que os dois Juízes não tiveram intervenção no julgamento de 1.ª instância, nem proferiram o acórdão, objecto dos recursos interpostos para o TSI. Daí que não haja fundamento para a declaração de impedimento dos referidos Juízes.
Quanto ao alegado pelos recorrentes que a pessoa, que tem realmente legitimidade para ser indemnizada, é a Sociedade A, em vez dos ofendidos, a favor dos quais foi arbitrada a reparação, o Tribunal Colectivo entendeu que, não obstante a celebração formal dos negócios jurídicos ter ocorrido entre a Sociedade e os recorrentes, o certo é que foram os ofendidos e não a Sociedade, quem pagou realmente os preços de compra dos dois referidos terrenos. Assim, os ofendidos têm direito à indemnização, nos termos do art.º 477.º do Código Civil.
Face ao exposto, o Tribunal Colectivo julgou improcedentes os recursos.
Vide Acórdão do TUI, no Processo n.º 84/2018.