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CCAC concluiu a investigação sobre a recomendação de familiares para ingressar no Gabinete do Procurador por parte de oficiais públicos


Em Dezembro de 2016, o ex-procurador Ho Chio Meng, quando interveio em julgamento no Tribunal de Última Instância acusado da prática de vários crimes, referiu que havia familiares de vários oficiais públicos que trabalhavam no Gabinete do Procurador. Referiu também que a ex-Secretária para a Administração e Justiça do Governo da Região Administrativa Especial Macau (RAEM), Florinda da Rosa Silva Chan, e a actual Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan Hoi Fan, ambas lhe recomendaram, através de telefonemas, familiares para trabalhar no seu Gabinete. Após estes comentários de Ho Chio Meng e o relato dos mesmos por parte dos órgãos de comunicação social, o CCAC recebeu várias queixas, e procedeu assim à investigação destes casos nos termos da Lei n.º 10/2000 “Lei Orgânica do Comissariado contra a Corrupção da Região Administrativa Especial de Macau”.

Ingresso de Roque Silva Chan no Gabinete do Procurador

Após a investigação efectuada, apurou-se que o familiar que teria sido recomendado por Florinda Chan, através de um telefonema, e que foi mencionado por Ho Chio Meng, é o irmão mais novo de Florinda Chan, Roque Silva Chan. Antes de ingressar no Gabinete do Procurador, Roque Silva Chan trabalhava num escritório de advocacia há quase 20 anos, durante esse período, foi responsável principalmente pelo acompanhamento dos procedimentos relativos à compra e venda de imóveis e pelas tarefas de expediente geral daquele escritório. Em Setembro de 1999, Roque Silva Chan foi demitido do escritório de advocacia, tendo sido, posteriormente, recrutado por uma empresa comercial em regime de tempo parcial.

Em 19 de Novembro de 1999, Roque Silva Chan ingressou no Gabinete Preparatório do Procurador. Na altura, o Governo da RAEM ainda não se encontrava estabelecido, pelo que o respectivo contrato individual de trabalho foi celebrado pelos Serviços de Apoio Técnico-Administrativo aos Gabinetes do Governador e dos Secretários-Adjuntos. Em 12 de Janeiro de 2000, um assessor do Gabinete do Procurador elaborou uma proposta, propondo a contratação de Roque Silva Chan, por contrato além do quadro, como técnico auxiliar especialista, 3.º escalão, com índice 380. A referida proposta foi autorizada por Ho Chio Meng no mesmo dia.

Em relação à questão de como ingressou no Gabinete do Procurador, Roque Silva Chan referiu que tinha mencionado, no decorrer de uma reunião de família, que tinha sido demitido pelo escritório de advocacia onde trabalhava, e que estava interessado em encontrar outro “trabalho no Governo”, pelo que um familiar seu lhe deu a dica de que ele poderia tentar candidatar-se a um lugar no Governo da RAEM a estabelecer. Assim sendo, enviou o seu currículo para o então Gabinete Preparatório do Procurador, tendo recebido posteriormente uma notificação para ir a uma entrevista. Roque Silva Chan referiu que foi entrevistado, na altura, pelo então Procurador indigitado, Ho Chio Meng, e que ali tinha sido questionado, principalmente, sobre a sua experiência em trabalhos anteriores.

Roque Silva Chan referiu ao CCAC que o seu ingresso no Gabinete do Procurador era consequência da sua candidatura de emprego, e que não tinha sido recomendado por Florinda Chan. Por sua vez, Florinda Chan referiu também que nunca fez quaisquer recomendações a propósito de Roque Silva Chan junto de Ho Chio Meng, e que muito estranhava o comentário que Ho Chio Meng tinha feito no julgamento a este propósito. Por outro lado, Ho Chio Meng alterou o argumento que tinha anteriormente prestado em julgamento a este propósito, passando a referir que já não se lembrava dos antecedentes concretos relativamente ao recrutamento de Roque Silva Chan, nomeadamente se Florinda Chan tinha feito algumas recomendações a propósito de Roque Silva Chan ou não, bem como as razões que levaram à contratação de Roque Silva Chan.

Tendo afirmado na audiência de julgamento que Florinda Chan lhe tinha feito uma recomendação através de um telefonema, Ho Chio Meng não deu, posteriormente, qualquer resposta sobre o assunto. Por outro lado, os interessados deram também uma resposta negativa a este propósito. Apesar de tudo isso, na sequência da investigação e análise efectuada, o CCAC considera que é difícil excluir totalmente a possibilidade de que a Secretária para a Administração e Justiça à época indigitada, Florinda Chan, tenha recomendado, em finais de 1999, o seu irmão, Roque Silva Chan, para ingressar no Gabinete do Procurador.

Roque Silva Chan referiu que, na altura, a sua entrevista foi realizada pessoalmente por Ho Chio Meng. No entanto, Ho Chio Meng manifestou que não fez nenhuma entrevista com ele e que não se lembrava por quem foi feita a referida entrevista. Roque Silva Chan afirmou que enviou na altura apenas um currículo ao Gabinete Preparatório do Procurador e não enviou mais nenhuma carta de pedido de emprego a outros serviços públicos, referindo ainda que não conhecia Ho Chio Meng antes do ingresso naquele Gabinete. Roque Silva Chan possuía na altura apenas habilitações académicas correspondentes a nove anos de escolaridade e o seu currículo para o pedido de emprego encontrado no processo contém menos de cem palavras, sendo que de forma nenhuma fica demonstrado que ele se distinguia das outras pessoas a nível académico ou de experiência. Apesar disso, ele teria sido, alegadamente, entrevistado pessoalmente pelo Procurador indigitado, que não o conhecia, e foi contratado de imediato. Obviamente, têm surgido razoáveis dúvidas sobre este incidente.

Ingresso de Chan Hoi In no Gabinete do Procurador

Após a investigação efectuada, apurou-se que o familiar que foi recomendado por Sónia Chan, através de um telefonema, e que foi mencionado por Ho Chio Meng é a irmã mais velha de Sónia Chan, Chan Hoi In. Antes do ingresso no Gabinete do Procurador, Chan Hoi In trabalhava numa associação local, tendo como tarefas principais, a redacção de documentos, o planeamento de actividades e a decoração de locais para eventos, apresentando como habilitações académicas, na altura de ingresso, a conclusão de um curso do ensino superior na área da gestão e administração. Em 15 de Julho de 2008, o então Chefe do Gabinete do Procurador, Lai Kin Ian, elaborou uma proposta, propondo a contratação de Chan Hoi In, por contrato além do quadro, como adjunto-técnico de 1.ª classe, 2.º escalão, com índice 320. A referida proposta foi autorizada por Ho Chio Meng em 21 de Julho.

Relativamente a como ingressou no Gabinete do Procurador, Chan Hio In respondeu que, tendo, em meados de 2008, uma vontade de mudar de ambiente de trabalho, enviou cartas de pedido de emprego e currículos para vários serviços públicos, de entre os quais o Gabinete do Procurador, e fez também uma inscrição na Bolsa de Emprego da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública. A mesma referiu ainda que foi notificada pelo Gabinete do Procurador um ou dois meses após a entrega dos documentos de pedido de emprego e que a sua entrevista foi realizada por Lai Kin Ian, sendo que a relação de parentesco que tinha com Sónia Chan não foi referida na altura.

Sónia Chan referiu que, depois de ter conhecimento de que Chan Hoi In tencionava mudar de emprego e que já tinha apresentado cartas de pedido de emprego junto de diferentes serviços, nomeadamente do Gabinete do Procurador, no decorrer de uma conversa sobre trabalho tida com Ho Chio Meng, referiu que tinha uma candidata para consideração no caso de aquele Gabinete tencionar recrutar pessoal. Ho Chio Meng referiu que, numa conversa telefónica, Sónia Chan lhe tinha contado que a sua irmã se encontrava a procurar emprego, tentando por isso saber se no Gabinete do Procurador haveria trabalho adequado para a mesma. O mesmo mais referiu que foi no decorrer de uma conversa sobre trabalho que Sónia Chan aproveitou para lhe contar sobre a situação de procura de emprego em que a sua irmã se encontrava.

Tendo em conta que as declarações prestadas pelas diferentes partes sobre o acontecimento estão basicamente em conformidade, o CCAC entende que pode dar como assente o seguinte: que em meados de 2008, Chan Hou In apresentou cartas de pedido de emprego junto de diferentes serviços públicos, incluindo do Gabinete do Procurador, que Sónia Chan (na altura, coordenadora do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais) referiu tal facto no decorrer de uma conversa tida com Ho Chio Meng (na altura, Procurador do Ministério Público) e que, posteriormente, Chan Hoi In ingressou no Gabinete do Procurador no seguimento da realização de uma entrevista pessoal.

Análise jurídica efectuada pelo CCAC relativa aos incidentes sobre o ingresso na função pública por recomendação

Roque Silva Chan e Chan Hoi In ingressaram no Gabinete do Procurador, respectivamente em 1999 e 2008, mediante autorização de Ho Chio Meng. Após análise ao caso, o CCAC entende que, uma vez que nos termos do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 13/1999 (Organização e funcionamento do Gabinete do Procurador), o Procurador pode nomear livremente o pessoal que se encontre em conformidade com o elenco constante do Regulamento, e tendo em conta que o regime jurídico relativo ao recrutamento centralizado não se encontrava ainda estabelecido na altura, as contratações do pessoal em questão efectuadas pelo Gabinete do Procurador não violaram as disposições da lei.

Quanto ao facto de ter ou não recomendado familiares para ingresso na função pública, não obstante Florinda Chan ter negado, a investigação do CCAC revela que é difícil excluir totalmente a possibilidade de a mesma ter recomendado Roque Silva Chan para ingressar no Gabinete do Procurador. Por sua vez, Sónia Chan admitiu, no decurso da investigação, ter recomendado Chan Hoi In para ingressar no Gabinete do Procurador.

Nos termos do artigo 5.º do Regulamento Administrativo n.º 24/2010 (Estatuto dos titulares dos principais cargos da Região Administrativa Especial de Macau), os titulares dos principais cargos devem actuar de forma a evitar conflitos de interesses, abstendo-se do aproveitamento, directo ou indirecto, do estatuto oficial, para privilegiar interesses pessoais; o artigo 11.º da Lei n.º 15/2009 (Disposições fundamentais do estatuto do pessoal de direcção e chefia) preceitua que os indivíduos investidos em cargos de direcção devem pautar a sua conduta pessoal por forma a que a mesma não afecte negativamente a imagem da RAEM ou do serviço ou entidade que servem.

De acordo com a análise do CCAC, em 1999, altura em que Florinda Chan era a Secretária para a Administração e Justiça indigitada e, em 2008, altura em que Sónia Chan era coordenadora do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, o supramencionado Regulamento não se encontrava ainda em vigor, nem existia lei que regulamentasse especificamente sobre a conduta ética dos titulares dos principais cargos ou dos dirigentes dos serviços públicos indigitados, e mesmo que se conseguisse provar que as envolvidas tinham feito as ditas recomendações, dificilmente se poderia proceder à responsabilização disciplinar das mesmas através da aplicação das disposições do “Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau” que regulamentam os deveres a que os trabalhadores da função pública se encontram sujeitos aquando do desempenho das suas funções.

O CCAC entende que, não obstante as contratações feitas pelo Gabinete do Procurador e as condutas suspeitas de Florinda Chan e Sónia Chan de terem feito recomendações para o ingresso na função pública não terem violado as disposições legais da altura, no entanto, na sequência do aperfeiçoamento contínuo do regime jurídico da RAEM, actualmente foi adoptada uma regulamentação mais rigorosa relativamente à conduta ética dos oficiais públicos e à forma de recrutamento de pessoal para a administração pública. Tendo em conta que as práticas de recomendação para ingresso na função pública não estão em conformidade com as expectativas dos cidadãos em relação a um recrutamento justo e público de pessoal para a administração pública, implicando inevitavelmente um impacto negativo na imagem do Governo da RAEM, o CCAC sugere que o Governo da RAEM supervisione rigorosamente o cumprimento das disposições da lei por parte dos oficiais públicos, especialmente no sentido da proibição de conflitos de interesses no desempenho de funções públicas, e da abstenção do aproveitamento, directo ou indirecto, do estatuto oficial para privilegiar interesses pessoais, evitando assim que condutas pessoais afectem negativamente a imagem da RAEM ou dos serviços públicos.

O CCAC já submeteu o relatório de investigação sobre o caso e a proposta de aperfeiçoamento do regime de responsabilização dos titulares de cargos do Governo ao Chefe do Executivo para efeitos de referência.