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Mulher que vendeu, sem autorização, o bem comum não partilhado é condenada a restituir ao ex-marido a metade do seu preço


Em 28 de Julho de 1982, A e B casaram em Macau, sem escolher qualquer regime de bens do casamento. Em 22 de Janeiro de 1996, B outorgou, no 2º Cartório Notarial a escritura pública de compra e venda para adquirir a fracção X, e declarou, nesse acto, que era solteira, sendo a respectiva fracção registada a favor de B no dia 21 de Março de 1996. Em 21 de Janeiro de 2002, A e B divorciaram-se, mas após o divórcio, os dois não procederam à partilha do património comum. No dia 10 de Março de 2006, B vendeu a referida fracção a C, que, por sua vez, constituiu hipoteca sobre a fracção junto do Banco D. Em 16 de Março de 2006, a referida fracção foi registada a favor de C. Posteriormente, C procedeu ao cancelamento da hipoteca e do registo correspondente a favor do Banco D, e constituiu, em 9 de Outubro de 2013, hipoteca junto do Banco E. Antes da venda da supracitada fracção, B nunca informou A do assunto ou obteve o seu consentimento, nem lhe restituiu a metade do preço de venda da fracção.

A (Autor) intentou, contra B (1ª Ré), C (2ª Ré), Banco D (3ª Ré) e Banco E (4ª Ré), acção declarativa com processo ordinário junto do TJB, pedindo para: 1) declarar que a fracção envolvida era bem comum do Autor e da 1ª Ré; 2) declarar a nulidade da compra e venda entre a 1ª Ré e a 2ª Ré; 3) declarar a nulidade das hipotecas constituídas pela 2ª Ré junto das restantes duas Rés; 4) cancelar os respectivos registos prediais; e 5) condenar a 2ª Ré a restituir o imóvel ao Autor; ainda pediu, subsidiariamente, que a 1ª Ré fosse condenada a restituir ao Autor a metade do preço de venda do imóvel. Por sentença de 30 de Maio de 2018, o Juiz, com fundamento no abuso de direito por Autor, e ao atenta a inoponibilidade do negócio jurídico inválido entre B e C a terceiros de boa-fé, e bem como facto de C houver adquirido originariamente, por usucapião, o direito de propriedade da fracção envolvida, ter ele direito como qualquer parte do casal em regime de comunhão de bens, após a cessação das relações patrimoniais, a receber a sua meação no património comum, condenou a 1ª Ré no pagamento de MOP$125.000,00 ao Autor, ou seja, metade do preço recebido pela venda da fracção envolvida, absolvendo as 2ª, 3ª e 4ª Rés do pedido do Autor.

Inconformado, A interpôs recurso para o TSI.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso. Quanto à questão de nulidade da venda do imóvel pela 1ª Ré sem consentimento do Recorrente, o Tribunal Colectivo indicou que, aquando do casamento do Recorrente com a 1ª Ré, era aplicável o Código Civil de 1966 e, na altura, as duas partes não combinaram o regime de bens; assim, segundo a disposição jurídica, aplicou-se o regime da comunhão de adquiridos. Após a extinção do casamento, os bens comuns do casal conservam-se como propriedade ou património colectivo até ocorrer a sua divisão e partilha judicial ou extrajudicial. É certo que a 1ª Ré vendeu o bem comum sem consentimento do Recorrente, mas este não chegou a formular pedido na acção, no sentido de declarar a nulidade parcial do negócio, resultante da disposição da metade do bem alheio, pertencente ao Recorrente. Ao mesmo tempo, já passou o prazo para impugnar a compra e venda em causa, quer em face do art.º 284.º do Código Civil, quer do art.º 1554.º do mesmo Código; assim, improcede o recurso nesta parte. Além disso, conforme a alegação do Recorrente, ele desconhecia que a 1ª Ré declarara que era solteira e procedera à venda do imóvel também nessa qualidade, mas o Tribunal Colectivo indicou que, conforme os factos provados, o Recorrente sabia perfeitamente que o imóvel em causa fora adquirido e registado em nome da 1ª Ré, e disse à 1ª Ré que ela fosse tratar de todas as formalidades necessárias à sua venda. Mas o Recorrente alega agora que não sabia, o que constitui, sem dúvida, uma situação de abuso de direito da parte do Recorrente, não podendo ele invocar a nulidade da compra e venda. Por fim, entendeu o Recorrente que a aquisição, por usucapião, da fracção envolvida, pretendida pela 2ª Ré, deveria ter sido invocada, tanto contra o Recorrente como contra a 1ª Ré. Face a tal questão, o Tribunal Colectivo indicou que, em rigor das coisas, a usucapião invocada pela 2ª Ré incidiria apenas sobre a metade da propriedade pertencente ao Recorrente, uma vez que ela já adquiriu, por escritura pública, a outra metade pertencente à 1ª Ré, pelo que não existe litisconsórcio necessário.

Face ao exposto, o Tribunal Colectivo julgou improcedente o recurso do Recorrente, mantendo a decisão recorrida.

Cfr. o Acórdão do TSI no Processo n.º 976/2018.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

21/05/2019