A arguida do presente processo é residente do Interior da China, onde exerce a actividade de advocacia. O irmão mais novo da arguida e a sua ex-mulher adoptaram um filho e os dois divorciaram-se em 2001. Após o falecimento do irmão mais novo da arguida em Fevereiro de 2011, o filho adoptado passou a ser cuidado pela ex-mulher. Em Maio de 2011, os pais da arguida delegaram poderes na arguida para tratar das formalidades de partilha da fracção autónoma, deixada pelo seu falecido irmão mais novo e, em 10 de Outubro de 2011, a arguida dirigiu-se ao Cartório Notarial das Ilhas para proceder à “escritura pública de habilitação notarial de herdeiros”. Bem sabendo que o falecido tinha um filho adoptado menor e sendo advertida de que incorria numa pena, nos termos da lei, se prestasse declarações falsas, a arguida, ao proceder à habilitação de herdeiros, declarou que o falecido não tinha qualquer descendente, que os seus pais eram os únicos herdeiros e que ninguém era titular do direito de preferência de herança ou co-herdeiros com os pais. Depois de lavrar a habilitação de herdeiros, a arguida procedeu ao registo de um imóvel do falecido em Macau, a favor dos seus pais na Conservatória do Registo Predial.
O Juízo de Instrução Criminal pronunciou a arguida pela prática do crime de falsidade de testemunho. A arguida recorreu e o Tribunal de Segunda Instância manteve a decisão de pronúncia; porém, alterou o crime de que era acusada para o crime de falsidade de declaração de parte. Em 22 de Junho de 2018, o Tribunal Judicial de Base proferiu a sentença, referindo que não se provara que a arguida conhecia o facto de o referido filho adoptado ser descendente do falecido e que prestara declarações falsas, dolosamente e em prejuízo do referido filho adoptado; assim, julgou improcedente a acusação da prática de um crime de falsidade de declaração de parte, p. e. p. pelo artigo 97.º, n.º 2, do Código do Notariado, em conjugação com o artigo 323.º, n.º 1, do Código Penal.
Inconformado com decidido, o referido filho adoptado, já maior, interpôs, na qualidade de assistente, recurso para o Tribunal de Segunda Instância, referindo que, na sentença, existia “erro notório na apreciação da prova”, entendendo que a arguida, sendo advogada no Interior da China, devia saber que os/as filhos/as adoptados/as equivalem aos/às filhos/as biológicos/as e que, “os descendentes” incluem os/as filhos/as adoptados/as, isto é, o recorrente e, não obstante haver esclarecido que não conhecia bem as leis de Macau, a arguida devia duvidar se o recorrente era ou não herdeiro, pelo que a arguida actuou com dolo eventual. Além disso, a aludida sentença não conseguiu esclarecer também por que razão, ao tratar da sucessão da herança deixada pelo falecido, no Interior da China, a arguida considerou o recorrente como herdeiro; porém, ao tratar da sucessão em Macau, a arguida entendeu que o recorrente não tinha a mesma posição jurídica; logo, existia uma “contradição insanável da fundamentação”. Por fim, o recorrente pediu que fosse anulada a sentença e fosse julgada procedente a acusação.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu do processo, referindo, nomeadamente, que, segundo os 16 factos dados como provados pelo Tribunal a quo após a audiência de julgamento, o recorrente fora adoptado quando era bebé de poucos meses e, desde então, ele convivera com o avô, a avó e a tia (arguida) aos fins de semana, férias e feriados, e que, ao fazer a habilitação de herdeiros, a arguida sabia perfeitamente da existência do recorrente e do facto de o recorrente ser filho de seu falecido irmão mais novo, já que com ele convivera muito intimamente após a adopção, o que já pode levar a reconhecer que, pelo menos, a arguida praticou, com dolo eventual, o crime acusado.
Nestes termos, o Tribunal Colectivo julgou procedente o recurso e condenou a arguida pela prática, em autoria material, na forma consumada e com dolo eventual, de um crime de falsidade de declaração de parte, p. e. p. pelo artigo 97.º, n.º 2, do Código de Notariado, em conjugação com o artigo 323.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob a condição de pagar à Região Administrativa Especial de Macau uma contribuição de MOP$20.000,00 no prazo de um mês, contado a partir do trânsito em julgado do acórdão.
Vide Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 893/2018.