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Não se prova a existência do “animus” apenas com base em tendo acesso a outra construção só através do seu prédio


Em 2 de Março de 2005, A outorgou escritura de compra e venda e adquiriu o prédio (1), sito na Rua das Estalagens, sendo a Sociedade de Investimento Imobiliário B, Limitada, proprietária do prédio (2), sito no Beco dos Cotovelos. Pelo menos a partir de 2006, foi construída uma “casa de banho e cozinha” na viela que fica por detrás do prédio (1) e junto ao prédio (2). A tinha acesso livre à respectiva construção da “casa de banho e cozinha” através do prédio (1). A planta cadastral, emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, mostra que o terreno da viela, entre a Rua das Estalagens e o Beco dos Cotovelos, pertence ao proprietário do prédio (2). No dia 24 de Março de 2018, a Sociedade de Investimento Imobiliário B, Limitada, sem consentimento de A, deu início à demolição da construção da “casa de banho e cozinha”. C, cunhado de A, soube disso e notificou, de forma verbal e por escrito, o responsável do local da obra para suspender a demolição da construção da “casa de banho e cozinha”. No dia 26 de Março de 2018, A ratificou a notificação de embargo da obra, feita por C. Seguidamente, A intentou, junto do Tribunal Judicial de Base e contra a Sociedade de Investimento Imobiliário B, Limitada, o procedimento cautelar especificado de embargo da nova obra, requerendo a ratificação judicial do embargo, promovido antes, por via extrajudicial, por C, visando a suspensão da obra de demolição da construção da “casa de banho e cozinha”. O Tribunal Judicial de Base julgou procedente o procedimento cautelar requerido, ratificando o embargo directamente promovido por via extrajudicial. Inconformada com a decisão, recorreu a Sociedade de Investimento Imobiliário B, Limitada, para o Tribunal de Segunda Instância que, por sua vez, decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e determinando o levantamento do embargo, decretado na Primeira Instância.

Inconformado, deste Acórdão do Tribunal de Segunda Instância recorreu A para o Tribunal de Última Instância, por entender que a construção da “casa de banho e cozinha”, apenas podendo ter entrada através do prédio (1), integrava este prédio, para além de se poder reconhecer que a respectiva construção era utilizada, exclusivamente, pelo recorrente. Nestes termos, tem o animus e, em consequência, a posse.

O Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância conheceu do caso.

O Tribunal Colectivo indicou que, no regime jurídico vigente na RAEM, a posse é composta, necessariamente, por um elemento objectivo e um subjectivo que são, respectivamente, o corpus e o animus, consistindo, o primeiro, numa situação de facto, nos actos materiais praticados sobre a coisa e, o segundo, num elemento psicológico, na intenção de agir como titular do direito a que o exercício do poder de facto se refere. A planta cadastral, emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, mostra que o terreno da referida viela, onde está construída a aludida “casa de banho e cozinha”, pertence à área do prédio (2) e não ao prédio de que é proprietário A. Não obstante ter provado que A procedera à decoração do prédio, desconhecia, porém quem construíra a “casa de banho e cozinha” na viela, construção esta acessível livremente através do prédio de A. É certo que, somente através do prédio de A, é que se pode ter acesso a essa “casa de banho e cozinha” e que A tinha acesso livre a essa construção através do seu prédio. No entanto, tal matéria de facto assente representa-se escassa para se poder concluir que A tenha utilizado aquela construção como se fosse proprietário ou titular de outro direito real sobre a referida construção. Na falta de outros elementos fácticos, demonstrativos da intenção de A agir, como titular da propriedade ou de outro direito real sobre a construção, o Tribunal Colectivo entendeu, como não verificado, o exigido elemento psicológico-jurídico da posse, o animus possidendi e, por isso, não provada a existência do animus possidendi nos presentes autos. Não tendo ficado provado o elemento subjectivo, cuja falta implica a inexistência de posse, há que concluir que A não tinha a posse da construção em causa. E, faltando à posse um dos requisitos necessários e exigidos, para que se possa decretar o embargo da nova obra, a que se refere o artigo 356.º, do Código de Processo Civil, não é de decretar a providência cautelar de embargo da nova obra.

Face ao exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso jurisdicional.

Cfr. Acórdão proferido no processo nº 53/2019 do Tribunal de Última Instância.