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O dono dum estabelecimento de comidas foi condenado a devolver o espaço da loja ao proprietário por ter explorado o local, durante anos, sem título de arrendamento


Em 2015, os Condóminos do Centro Comercial A (autora), representados pela Comissão de Gestão dos Condóminos deste Centro Comercial, intentaram, junto do Tribunal Judicial de Base, acção de reivindicação contra B (ré), ou seja, o dono do estabelecimento de comidas “X Kee beef offal”, situado junto à entrada do referido Centro Comercial na Travessa dos Anjos. A autora alegou que B ocupara, ilegalmente, ao longo dos anos, o aludido espaço para a exploração do referido estabelecimento de comidas; assim, pediu ao Tribunal que a condenasse a desocupar o espaço e a proceder à sua devolução. A ré argumentou, por sua vez, na contestação, ser legal essa ocupação por o ter arrendado para explorar o dito estabelecimento, com base num acordo verbal, celebrado com a referida Comissão de Gestão do Centro Comercial e a Companhia de Administração do Edifício.

Realizada a audiência, o Tribunal Judicial de Base apurou a seguinte factualidade: nos finais de 1998, devido à escassez de clientes e baixo volume de negócios, a então Comissão de Gestão do Centro Comercial decidiu dar de arrendamento partes comuns do Centro a preços reduzidos para cobrir as despesas com o funcionamento quotidiano e melhorar a situação do negócio. Em Janeiro de 1999, a sogra da ré acordou, com a então Comissão de Gestão e o representante da Companhia de Administração C, contratado pela dita Comissão, no sentido de arrendar esse espaço pela renda mensal de 5380 dólares de Hong Kong, começando, a partir de então, a explorar, nessa localidade, o atrás referido estabelecimento de comidas. Desde então, B pagou, mensalmente, uma renda à Companhia C até Outubro de 2015, altura em que esta companhia viu revogado o seu poder de administração pela nova Comissão de Gestão do Centro Comercial e abandonou o Centro. A Comissão de Gestão enviou a B, respectivamente, em Dezembro de 2012 e Setembro de 2013, carta registada com aviso de recepção e notificação judicial avulsa, pedindo a desocupação do local, à qual B não ligou. Na constância da referida relação de arrendamento, B exigiu, várias vezes, à Comissão de Gestão a celebração de contrato escrito de arrendamento, mas esta última arranjou sempre desculpas, pelo que o contrato nunca chegou a ser celebrado.

No início de 2017, o Tribunal Judicial de Base proferiu sentença. Segundo a sentença, existe entre as partes uma relação de arrendamento por este espaço ter sido arrendado a B por quem, ao tempo, tinha legitimidade para o efeito – a Comissão de Gestão do Centro Comercial. Logo, a acção de reivindicação, intentada pela autora, não pode proceder, face ao disposto no artigo 1235.º, n.º 2, do Código Civil, sem prejuízo de, em sede própria, a autora poder recorrer às normas para fazer cessar o tal arrendamento. Nestes termos, julgou improcedente a acção intentada pela autora.

Inconformada, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por seu lado, conheceu da causa.

Em primeiro lugar, o Tribunal de Segunda Instância prestou um esclarecimento, relativamente aos factos dados como provados pelo Tribunal a quo. Conforme a clarificação, quem realizou negociações e chegou a acordo com a ré foi a Comissão de Gestão dos Proprietários da Propriedade Horizontal do Centro Comercial A, enquanto o órgão que, actualmente, representa os condóminos no presente processo judicial, é a Comissão de Gestão dos Condóminos do Centro Comercial A, criada em 2014, sendo eles dois órgãos distintos.

No tocante às questões jurídicas controvertidas neste processo, o Tribunal de Segunda Instância indicou que, apesar de a ré ter alegado a existência dum acordo verbal de arrendamento entre a sua sogra e a então Comissão de Gestão do respectivo Centro Comercial, tal acordo não pode ser juridicamente reconhecido, porque: primeiro, o acordo padece do vício de forma, visto que não obedeceu à forma escrita enquanto contrato de arrendamento de imóvel, conforme o exigido no artigo 1302.º, n.º 1, do Código Civil. Acresce que, mesmo que existisse um contrato de arrendamento, este fora também denunciado, unilateralmente, mediante a notificação judicial avulsa de 5 de Setembro de 2013, emitida à ré pela então Comissão de Gestão. Além disso, no que tange ao conteúdo do citado acordo, o estabelecimento “X Kee beef offal” localiza-se num espaço (parte) comum do referido Centro Comercial, o que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal do edifício, não foi afecto ao uso exclusivo de ninguém. Nestas circunstâncias, se se quiser dar de arrendamento a respectiva loja, situada no espaço comum do Centro Comercial para o uso exclusivo de B, é necessário alterar o respectivo título constitutivo, em conformidade com o disposto no Código Civil. Dado que tal alteração do título jamais ocorreu e o homem que celebrou o respectivo acordo com B, representava tão-somente a então sociedade gestora, não tendo legitimidade, nem poder, para dar de arrendamento a parte comum do Centro Comercial, o referido acordo verbal é assim também inválido em termos de substância. Assim, por estarem verificados todos os pressupostos, consagrados no artigo 1240.º do Código Civil, deve ser atendido o pedido de reivindicação, formulado pela autora, com base na deliberação e em representação dos condóminos do referido Centro Comercial.

Nestes termos, acordaram no Tribunal Colectivo em conceder provimento aos recursos interpostos pela autora, anulando a decisão recorrida e condenando a ré B a desocupar o espaço público (a respectiva loja) do Centro Comercial A e a proceder à sua devolução à autora.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 640/2017.



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