O Comissariado da Auditoria (adiante designado por CA) divulgou, no dia 3 de Setembro deste ano, o relatório de auditoria de resultados sobre o “Regime de recrutamento e selecção de trabalhadores para a Administração Pública”, no qual se fez uma análise, do ponto de vista jurídico, da administração pública e de acordo com as respostas escritas dos serviços públicos interessados, ao Regime de recrutamento e selecção de trabalhadores para a Administração Pública. Nesse relatório – cuja abrangência foi bastante ampla, indo desde o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau (adiante designada por RAEM) até ao momento da elaboração do referido relatório – foram identificados vários problemas em relação aos trabalhos de recrutamento coordenados pela Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (adiante designado por SAFP). Após a publicação do relatório em causa, o dirigente dos SAFP em entrevistas aos órgãos de comunicação social e em programas de debate, expressou publicamente o seu desacordo com “as conclusões do relatório, nomeadamente, quanto ao facto de os serviços terem auxiliado o SAFP na prossecução das suas atribuições” e que “havia falta de uma visão global na aplicação do regime”. Por outro lado, o mesmo dirigente argumentou que, entre outras coisas, “não se podia recusar a inscrição dos cidadãos nos concursos de recrutamento” e que “havia despesas que não podiam ser evitadas”. Uma vez que o responsável máximo do sujeito a auditoria manifestou publicamente a sua discordância com o conteúdo do relatório e com vista a clarificar e elucidar o público sobre os trabalhos de auditoria, considera-se ser pertinente explicar o conteúdo do relatório de auditoria de modo a esclarecer quais foram os problemas constatados de forma a evitar equívocos.
No que diz respeito aos “serviços tiveram que auxiliar o SAFP na prossecução das suas atribuições”, 18 dos 39 serviços interessados no recrutamento de pessoal corroboraram essa afirmação. Por outro lado, as deficiências na concepção do regime obrigaram a grandes gastos em termos de recursos humanos e materiais. O relatório de auditoria revela várias insuficiências em vários aspectos do Regime de 2016, nomeadamente, na sua elaboração e execução, nos custos e eficiência do procedimento concursal, e, ao mesmo tempo, revela que houve desperdício de recursos e que o normal funcionamento dos serviços interessados no recrutamento de pessoal foi prejudicado, factos que são demonstrados nas tabelas e gráficos do relatório de auditoria. As opiniões dos referidos serviços sobre o regime de recrutamento de 2016 encontram-se no Anexo X, nas quais constam as falhas apontadas ao SAFP na gestão do procedimento concursal. Portanto, a afirmação de que os “serviços tiveram que auxiliar o SAFP na prossecução das suas atribuições” é corroborada por vários serviços.
Relativamente à “falta de uma visão global”, os comentários gerais do relatório, indicam que o Plano Quinquenal de Desenvolvimento da RAEM (2016 - 2020), divulgado em Abril de 2017, na parte dedicada à “Introdução da boa governação” há uma secção sobre o “impulsionamento da racionalização de quadros e simplificação administrativa e elevação da capacidade de execução do Governo” na qual foi referido o seguinte: “[i]remos avaliar, cuidadosamente, as insuficiências do regime de recrutamento centralizado em vigor, e, tomando como referência as experiências de recrutamento de trabalhadores públicos das regiões vizinhas, iremos proceder à revisão dos diplomas legais vigentes, aperfeiçoando os respectivos regimes”. Como indicado no relatório, em 2006, procedeu-se à revisão e consulta do regime de recrutamento de trabalhadores para a Administração Pública. Entre 2011 e 2017, ou seja, em apenas seis anos, entraram em vigor três regimes de recrutamento e selecção de trabalhadores para a Administração Pública. Durante esse período, foram alteradas uma Lei e um Regulamento Administrativo e revogado um Regulamento Administrativo.
Em relação à afirmação do Director do SAFP de que “não se podia recusar a inscrição dos cidadãos nos concursos de recrutamento” e que “havia despesas que não podiam ser evitadas”, no relatório de auditoria revelou-se que, devido ao facto de a concepção o regime de recrutamento ter sido defeituosa, a maioria dos candidatos apresentaram mais de uma candidatura para as vagas postas a concurso, o que provocou um aumento drástico no número de candidaturas à segunda fase fazendo com que os recursos investidos pelos serviços duplicassem. Além disso, como a plataforma electrónica de apresentação de candidaturas permitia aos candidatos, através de um simples clique, apresentar a sua candidatura a todas as etapas de avaliação de competências profissionais ou funcionais, resultou não só numa duplicação dos trabalhos de verificação dos documentos dos candidatos como também no desperdício de recursos e de tempo. O relatório de auditoria refere que o SAFP deve conceber o regime de recrutamento de forma cuidadosa de modo a evitar o desperdício de recursos. As opiniões de auditoria concentraram-se na fonte dos problemas e tinha como intuito que o serviço em causa melhorasse o regime de recrutamento. Não se mencionou a recusa de candidatos ao exame, a redução dos gastos com o arrendamento dos locais para a realização do exame, muito menos foi sugerido que se reduzisse a remuneração do pessoal envolvido no procedimento concursal. Pelo contrário, o foco estava na questão da repetição de candidaturas e nas causas do elevado custo e morosidade do procedimento concursal regulado pelo Regime de 2016. O objectivo último dos trabalhos de auditoria é fazer com que o serviço conheça quais as causas dos problemas e orientá-lo no sentido de resolver tais problemas de forma eficaz.
Como se sabe, é ao SAFP que cabe a gestão dos assuntos relacionados com os trabalhadores dos serviços públicos. O Regulamento Administrativo n.º 24/2011 (Organização e Funcionamento da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública) definiu claramente as suas funções no âmbito dos trabalhos do recrutamento centralizado. Portanto, o CA considera que o SAFP sabia muito bem quais as vantagens e desvantagens que a implementação do regime de recrutamento ia trazer, o número de trabalhadores de cada serviço, as suas necessidades em termos de recursos humanos, as condições do mercado de trabalho de Macau e a situação concreta de cada carreira posta a concurso. Por outro lado, o SAFP devia ter feito uma previsão do volume de trabalho e, em função disso, analisado se haveria ou não pessoal suficiente para garantir o bom andamento do procedimento concursal. No entanto, os resultados de auditoria revelaram que os serviços interessados no recrutamento de pessoal tiveram que levar a cabo trabalhos que não tinham sido previstos. Além disso, o facto de os concursos terem de ser realizados ao mesmo tempo fez aumentar exponencialmente o número de candidatos bem como o tempo e recursos gastos. Durante a auditoria, foram detectados vários problemas, nomeadamente, no que concerne à procura de espaços para a realização das provas e de pessoal para a sua fiscalização; em relação à plataforma electrónica para uso exclusivo do júri; no que toca às instruções dadas pelo SAFP aos serviços interessados; e ao nível do procedimento de gestão uniformizada. Tal revela que a concepção do regime de recrutamento foi deficiente, o que veio a confirmar-se a partir do momento em que este entrou em vigor. Estes são os principais problemas causados pelo Regime de 2016 aos serviços interessados.
O CA tem como função analisar os problemas de uma forma global e auxiliar o Governo da RAEM na concretização cabal das Linhas de Acção Governativa. Como foi referido nos “Comentários Gerais” do relatório, “a revisão do regime de recrutamento e selecção de trabalhadores para a Administração Pública é um trabalho indispensável para o reforço dos recursos humanos, constituindo também uma das estratégias para tornar a governação da RAEM mais sistemática e rigorosa”, o serviço competente deve auscultar de forma séria as opiniões e sugestões de cada serviço durante a fase de consulta, além disso, é necessário que se prevejam soluções a fim de acautelar quaisquer eventualidades que possam razoavelmente ocorrer bem como conceber o regime de recrutamento de forma rigorosa. Tendo em conta que o recrutamento de pessoal envolve todos os serviços públicos e dezenas de milhares dos candidatos, não é admissível que tenha havido tantas falhas. Porém, o que se constatou, foi precisamente o contrário e, como tal, houve que proceder a constantes alterações.
O Gabinete do Porta-voz do Governo publicou uma nota de imprensa no mesmo dia da publicação do Relatório de Auditoria, salientando que “[o] Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, Chui Sai On, atribui grande importância ao relatório de auditoria sobre o “Regime de recrutamento e de selecção de funcionários públicos”, entregue pelo Comissariado da Auditoria e que instruiu a Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, para que inste e supervisione a Direcção dos Serviços de Administração Pública, no sentido de se estudar minuciosamente o documento e adoptar as sugestões ali indicadas, realizando uma avaliação abrangente dos problemas ora existentes em tal regime.” Além disso, o SAFP, na resposta escrita ao Relatório, manifestou expressamente “a sua concordância com os factos e sugestões de auditoria apresentadas neste Relatório.” Porém, depois da publicação do relatório, o dirigente do SAFP, em entrevista aos órgãos de comunicação social, contestou publicamente as opiniões da auditoria e manifestou a sua discordância quanto ao teor do Relatório. As suas afirmações contraditam o que foi escrito na resposta ao relatório, demonstrando falta de respeito pelas opiniões expressas pelos serviços interessados.
O relatório de auditoria foi feito de acordo com os procedimentos estabelecidos para o efeito. A recolha de provas foi feita através da análise dos documentos fornecidos pelo sujeito a auditoria e através de reuniões com as chefias no sentido de assegurar que todas as verificações de auditoria sejam devidamente fundamentadas. Quando a elaboração do relatório foi concluída, antes da sua publicação e de acordo com a lei, este foi enviado ao sujeito a auditoria para confirmação do seu teor e para a apresentação da resposta escrita. Com base nesse procedimento não é possível ao sujeito a auditoria ignorar ou ser apanhado desprevenido quanto aos critérios adoptados. É de notar, no entanto, que o SAFP respondeu às opiniões de auditoria baseando-se no Regime de 2017, algo que não fazia parte do âmbito do relatório de auditoria. Ao tomar conhecimento das notícias que têm vindo a público sobre este assunto, constatou-se que a Direcção de serviços em causa optou por contrariar factos de importância reduzida referidos no relatório. Tal atitude revela que essa Direcção de serviços não cumpre com os padrões de ética da Administração Pública e, bem assim, revela falta de capacidade de corrigir os erros apontados. Para evitar impactos negativos em futuros trabalhos de auditoria, este Comissariado não pôde deixar de emitir as presentes informações complementares, sob pena de o público ser induzido em erro.