A 1.ª ré A é uma sociedade limitada de comidas, tendo como sócios desta os 2.º e 3.º réus, B e C. Em 11 de Junho de 2012, D e E e a sociedade A celebraram um “contrato-promessa de trepasse”, tendo a sociedade A prometido vender a D e E e estes prometido adquirir o restaurante à sociedade A pelo preço de HKD$1.500.000. A sociedade A comprometia-se a tratar do processo de licenciamento do estabelecimento no mais breve espaço de tempo possível, para que D e E pudessem iniciar as suas actividades no estabelecimento. D e E constituíram a sociedade F para, através dela, explorarem o restaurante e, depois de obterem o consentimento da sociedade A, em 30 de Julho de 2012, cederam a F a posição contratual de promitentes adquirentes que tinham no supracitado contrato-promessa. Após a entrega do estabelecimento a F pela sociedade A em 30 de Julho de 2012, verificou F uma série de problemas com o tal estabelecimento, incluindo a não obtenção do licenciamento e dois trabalhadores não residentes, cujos títulos de identificação iam expirar. O estabelecimento finalmente teve que encerrar a actividade por não se ter conseguido renovar os títulos de identificação dos dois trabalhadores não residentes. Pelo exposto, F intentou acção junto do Tribunal Judicial de Base, exigindo que a sociedade A pagasse indemnização por não ter cumprido os deveres prometidos e mais pediu ao Tribunal que desconsiderasse a personalidade jurídica da sociedade A, condenando a responsabilização solidária dos seus sócios B e C pela respectiva indemnização; tendo o Tribunal Judicial de Base julgado parcialmente procedente o pedido de F, condenou a sociedade A no pagamento a F de HKD$1.450.000, mas rejeitou o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade A.
Inconformada, F interpôs recurso para o TSI, considerando que B e C agiram com má-fé e abuso de direito, confundindo o património deles com o da sociedade A, que não tinha qualquer património próprio, e usando a sociedade A como instrumento dos seus interesses individuais, com a finalidade de verem o seu património individual protegido das consequências legais, advindas de actos praticados pela sociedade A. Assim, pediu ao TSI que desconsiderasse a personalidade jurídica da sociedade A, de modo a não considerar a responsabilidade limitada da sociedade A, para que os patrimónios de B e C devessem responder pela indemnização da condenada.
O TSI apreciou o caso, tendo entendido que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica não está regulamentado na lei de Macau. Quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa-fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para se poderem responsabilizar os que estão por detrás da sociedade e a controlam. E, para além disso, também se deve desconsiderar a personalidade jurídica, quando o sócio utilize a sociedade comercial para contornar uma obrigação legal ou contratual que ele, individualmente, assumir ou para encobrir um negócio contrário à lei. A aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem carácter subsidiário, pois só deverá ser invocada quando inexistir outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar. O recurso a esse instituto tem de formular um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, havendo que verificar se ocorre uma situação de fraude à lei ou de abuso de direito.
O Tribunal Colectivo entendeu que, in casu, não se encontram as supracitadas situações, nem existem factos demonstrativos de abuso de direito, ou de instrumentalização da personalidade jurídica da 1ª Ré para fins ilícitos. Com base nisso, o Colectivo julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do Tribunal Judicial de Base.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 255/2017.