A Sociedade A e a Sociedade B celebraram um contrato, acordando a cedência pela Sociedade B à Sociedade A do uso de uma loja, localizada no r/c dum hotel de Macau, enquanto a Sociedade A se obrigava a pagar, mensalmente, à Sociedade B uma quantia correspondente a 15% da receita total pela exploração da loja e a entregar o relatório da exploração. Da cláusula compromissória do contrato constava que a solução de disputas entre as partes sobre o cálculo dos montantes seria confiada a um contabilista qualificado para a decisão final. Já próximo do termo final do contrato, a Sociedade A apercebeu-se de que os relatórios mensais continham, por lapso, valores que não correspondiam à receita e, por causa disso, a Sociedade A pagara à Sociedade B, em excesso, a quantia mensal e a quantia a título de imposto do selo, cujo valor dependia daquela quantia mensal. Assim, a Sociedade A pediu ao Tribunal Judicial de Base a condenação da Sociedade B, visando a devolução, por parte desta, da quantia indevidamente paga e da quantia a título de imposto do selo e, ainda, a restituição da caução prestada a favor da Sociedade B para garantia do cumprimento do contrato. Na contestação, a Sociedade B deduziu a excepção dilatória por preterição do tribunal arbitral. A Sociedade A respondeu, aduzindo que o que estava em causa nos presentes autos, era uma questão de interpretação da cláusula compromissória e, não, uma mera aferição contabilística, e a referida cláusula não era aplicável à caução, pelo que concluira ser o Tribunal competente. O juiz titular do processo do Tribunal Judicial de Base proferiu o despacho saneador, entendendo que existia divergência entre as partes sobre o objecto do litígio e, de acordo com o n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/96/M, devia caber ao tribunal arbitral fixar o objecto do litígio; assim, julgou procedente a excepção invocada pela Sociedade B.
Não se conformando, a Sociedade A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso.
Antes de mais, o Tribunal Colectivo apontou que o que estava em causa nos presentes autos não era apenas o cálculo dos montantes. Na verdade, as questões sobre a existência dos créditos, reclamados pela Sociedade A, a eventual prescrição do direito, a força probatória dos documentos apresentados pela Sociedade A para demonstrar a causa de pedir, o incumprimento das suas obrigações de pagar as taxas pelo uso da loja, assim como a operabilidade da compensação das dívidas pelo valor da caução eram todas elas questões de direito, não podendo ser resolvidas por contabilistas. Além disso, o Tribunal Colectivo entendeu que in casu não existia divergência entre as partes sobre quais eram as questões em litígio, prevista no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/96/M, mas, sim, a divergência sobre qual seria o tribunal competente para resolver o litígio. O Tribunal Colectivo referiu que se o Tribunal a quo entendesse ser sempre o tribunal arbitral o primeiro competente para decidir a excepção da incompetência do tribunal com fundamento na preterição da competência do tribunal arbitral, estaria perante, nos presentes autos, uma questão que se prende com a regra sobre Kompetenz-Kompetenz, regulada no n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 29/96/M. Na falta de norma expressa na lei especial sobre se um tribunal judicial tem, no âmbito de uma acção já instaurada, competência para conhecer da excepção dilatória da preterição de convenção de arbitragem, enquanto o litígio não tiver sido submetido ao tribunal arbitral, era de seguir a regra geral, consagrada nos artigos 412.º, n.º 2, 413.º, alínea a), e 414.º do Código de Processo Civil, à luz da qual o tribunal é sempre competente para conhecer a excepção dilatória da preterição de convenção de arbitragem, sem que tenha de aguardar uma primeira apreciação pelo tribunal arbitral, nos termos prescritos no artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/96/M, pelo que a regra Kompetenz-Kompetenz, consagrada no artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/96/M, não impede que o tribunal interprete, numa acção já instaurada, a cláusula compromissória, invocada pelo réu, como fundamento da excepção.
Nos termos e fundamentos acima expostos, o Tribunal Colectivo concedeu provimento ao recurso, anulando a decisão do Tribunal a quo.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 168/2019.