Num processo de recurso contencioso que correu termos no Tribunal Administrativo (TA), uma das partes arrolou como testemunhas, o primeiro Chefe do Executivo e o primeiro Secretário para a Economia e Finanças, a prestar depoimento sobre factos ocorridos durante o exercício das suas funções. Nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 22/2009, o TA solicitou, por ofício, ao ex-Chefe do Executivo que esclarecesse se autorizava aqueles, na qualidade de testemunhas, a prestar depoimento no processo. O ex-Chefe do Executivo informou, por ofício, em resposta, que não os autorizava a prestar depoimento, por considerar que os factos que se pretendem apurar têm natureza confidencial ou reservada, e foram conhecidos no exercício das respectivas funções.
A parte, que arrolou as referidas pessoas como testemunhas, interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), da decisão proferida pelo ex-Chefe do Executivo que não deu autorização a prestar depoimento. O TSI, por Acórdão de 18 de Maio de 2017, julgou-se procedente a invocada excepção de irrecorribilidade do acto recorrido, com a consequente absolvição da instância.
Inconformados com o decidido, os recorrentes interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
O TUI conheceu do caso.
O Tribunal Colectivo indicou que o dever de sigilo do Chefe do Executivo e dos titulares dos principais cargos do Governo da R.A.E.M. decorre do estatuído no art. 4.°, n.° 8, do Regulamento Administrativo n.° 24/2010, que estabelece o “Estatuto dos Titulares dos Principais Cargos da R.A.E.M.”, assim como do preceituado no art. 3.°, n.° 2, alínea 3), e art. 12.° da Ordem Executiva n.° 112/2010, que define as “Normas de Conduta dos Titulares dos Principais Cargos da R.A.E.M.”. Nos termos do art. 4.° da Lei n.° 22/2009, pretendeu-se a manutenção do referido dever de sigilo após a cessação de funções, com a única excepção de vir a ser dispensado através de expressa autorização do Chefe do Executivo. E tendo presente o estatuído no art. 5.° da Lei n.° 22/2009, que estende tal dever de sigilo ao processo penal. Ademais, o aludido dever de sigilo diz apenas respeito aos factos confidenciais ou reservados e conhecidos no exercício das respectivas funções.
O Tribunal Colectivo entendeu que, tendo em conta a matéria sobre a qual incide, assim como a causa e finalidade da sua prática, o acto em causa não deve ser reconhecido como acto administrativo, stricto sensu ou em matéria administrativa, pois que não se trata como acto praticado no desempenho de uma típica actividade administrativa de gestão pública, não constitui uma medida com forma e conteúdo do acto administrativo; o acto foi praticado, antes, no exercício da função governativa e política, integrando uma opção política para a defesa do interesse público e de toda uma colectividade. Assim, conforme o artigo 19.º da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária), o referido acto é insusceptível de impugnação contenciosa administrativa, nem susceptível de recurso, sem prejuízo da sua censura política, através das vias, formas e processos adequados.
Face ao exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso jurisdicional.
Vide Acórdão do TUI, no Processo n.º 61/2017.