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Uniformização de jurisprudência o Tribunal de Segunda Instância deve proceder directamente à determinação da medida da pena depois de substituir a absolvição por condenação


O Tribunal de Última Instância conheceu, dias atrás, de um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

A, por, em conluio com outros, ter retido como garantia os documentos de identificação dos jogadores que lhes contraíram empréstimos para jogo, foi acusado pelo Ministério Público pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime imputado de exigência ou aceitação de documentos p.p. pelo art.º 14.º da Lei n.º 8/96/M (conjugado com o art.º 13.º da mesma Lei e o art.º 219.º n.º 1 do Código Penal). O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, tendo conhecido da causa, decidiu pela absolvição de A. Inconformado, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando a sentença a quo e passando a condenar A pela prática do crime acusado, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo durante 2 anos.

Inconformado, A interpôs para o Tribunal de Última Instância recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, alegando que esta decisão judicial tinha adoptado uma solução que estava em oposição com a solução adoptada no acórdão do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo n.º 712/2011, relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, no qual o Tribunal de Segunda Instância pronunciava-se no sentido de que, para garantir o direito ao duplo grau de jurisdição do arguido, o processo tinha que ser devolvido ao Tribunal a quo para determinação da medida concreta da pena, sendo impossibilitado este tribunal de proceder directamente à determinação da medida da pena.

O Tribunal de Última Instância procedeu ao julgamento ampliado do recurso.

Indicou o Tribunal Colectivo que, no regime de recurso ordinário vigente em Macau, o legislador estabelece um princípio de conhecimento amplo do recurso relativamente ao âmbito do recurso, isto é, o tribunal de recurso deve conhecer de toda a decisão recorrida, salvo se o recorrente limitar expressamente o seu recurso. Mas, mesmo no caso da limitação do recurso feita pelo recorrente, o tribunal tem ainda o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida. Daí podemos concluir que, o tribunal de recurso pode conhecer amplamente do objecto do processo, não sendo excluída a possibilidade de, ao conhecer do recurso da sentença absolutória proferida pelo Tribunal Judicial de Base, se considerar que o arguido cometeu o crime, poder proceder directamente à determinação da medida da pena depois de substituir a absolvição do arguido por condenação.

Por outro lado, o reenvio do processo decretado pelo tribunal superior tem como pressuposto que o tribunal de recurso considera verificados os vícios referidos no n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal, e que não é possível ao tribunal de recurso decidir da causa. Daí que, mesmo no caso de se verificarem os vícios supra mencionados, o legislador tenta evitar o reenvio do processo para novo julgamento, o qual só acontece quando não for possível ao tribunal de recurso decidir da causa. Assim sendo, o tribunal de recurso pode (e deve) proceder directamente à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, no caso de substituir a sua absolvição por condenação.

No que diz respeito à motivação do recurso no sentido de que é violado o direito de duplo grau de jurisdição gozado pelo arguido no caso de o Tribunal de Segunda Instância proceder directamente à determinação da medida da pena, indicou o Tribunal Colectivo que o duplo grau de jurisdição, enquanto princípio geral do processo penal, não implica que, nos casos concretos, toda e qualquer decisão judicial seja passível de apreciação por um tribunal de instância superior, o qual só se refere às sentenças condenatórias em processo penal, mas não a quaisquer outras decisões tomadas por um tribunal num processo de natureza criminal, pelo que, este princípio não se apresenta obstáculo a que o Tribunal de Segunda Instância, em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória do Tribunal Judicial de Base, venha a condenar o arguido e, consequentemente, aplicar-lhe directamente uma pena. Além disso, o recorrente tinha toda a possibilidade de fazer alegações junto do Tribunal Judicial de Base enquanto o processo corria os seus termos no Tribunal, produzir provas a seu favor (incluindo as concernentes à determinação da pena) e arrolar testemunhas, etc., mas não o fez, o que não foi provocado pelo facto de o Tribunal de Segunda Instância ter procedido directamente à determinação da medida da pena, sendo, portanto, não prejudicados os direitos do recorrente. Por isso, é improcedente o recurso.

Em fim, adicionou o Tribunal Colectivo que, se o Tribunal de Segunda Instância considerar insuficiente para a boa decisão da causa a factualidade apurada pelo Tribunal Judicial de Base e, portanto, necessária a produção de prova suplementar, pode, aplicando por analogia as regras consagradas para o julgamento de 1.ª instância, declarar a reabertura da audiência, ouvir sempre que possível o perito criminológico, o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido e, em seguida, aplicar pena concreta ao arguido.

Face ao exposto, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido, e, nos termos do art.º 427.º do Código de Processo Penal, fixou a seguinte jurisprudência, obrigatória para os tribunais da RAEM: Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se o Tribunal de Segunda Instância vier a substituir a absolvição do arguido por condenação, deve proceder, directamente, à determinação da pena concreta a aplicar. Para o efeito e se considerar necessário, pode o Tribunal de Segunda Instância declarar reaberta a audiência, por aplicação analógica do disposto no art.º 352.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, após a qual se determina a pena concreta com base na prova produzida.

Cfr. Acórdãos do Tribunal de Última Instância, no processo n.º 130/2019 e do Tribunal de Segunda Instância, no processo n.º 712/2011.

Nos termos do art.º 426.º do Código do Processo Penal, a referida decisão de uniformização de jurisprudência vai ser publicada no Boletim Oficial da RAEM, I Série, de 27 de Abril de 2020.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

26/04/2020