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Hotel não assume responsabilidade cível pela morte, por suicídio, de um hóspede, durante o período que nele permaneça


Por volta das 23h00 do dia 27 de Julho de 2016, A, uma mulher do Interior da China alojou-se num quarto dum hotel no Sands Cotai Central depois de ter jogado numa sala VIP do seu casino, após se ter hospedado por duas noites nesse hotel. Ela jamais saiu do quarto desde que ali se hospedara, nem fez check out do quarto ao meio-dia no dia 29 de Julho. Neste dia 29 de Julho, pelas 16h59, o pessoal da Polícia Judiciária descobriu que A morrera, por enforcamento, na casa de banho do quarto alugado. Efectuada a investigação, a autoridade policial reconheceu que A morrera por suicídio, mas suspeitou que ela pedira a quatro homens (B, C, D, E) dinheiro emprestado, com juros elevados, para jogar e fora sequestrada no quarto de hotel por dois (B e C) dos quatro homens indicados.

O Ministério Público acusou esses quatro homens B, C, D e E da prática de um crime de usura para jogo, p.p. pelo art.º 13.º da Lei n.º 8/96/M, conjugado com o art.º 219.º, n.º 1, do Código Penal, acusando, ao mesmo tempo, B e C da prática de um crime de sequestro, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 2, al. e) do mesmo Código.

Por outro lado, o marido, filho e pais de A intentaram, junto do Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, acção contra a operadora “XX, Limitada” em que A se hospedara, pedindo que fosse condenada a Ré a lhes pagar uma quantia não inferior a MOP$1.000.000,00, a título de indemnização pelo direito à vida da falecida, uma quantia não inferior a MOP$1.000.000,00, a título de indemnização por danos morais e ainda uma outra quantia, no valor de MOP$210.971,20, a título de indemnização pelas despesas fúnebres, resultantes da morte de A.

No dia 25 de Maio de 2018, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base proferiu decisão, absolvendo B, C, D e E. O marido da falecida interpôs recurso. Apreciado o recurso, o Tribunal de Segunda Instância considerou que a decisão do Tribunal a quo padecia de erro notório na apreciação da prova; por consequência, declarou nula a decisão a quo, determinando o reenvio do processo para novo julgamento.

No âmbito da indemnização civil, o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base proferiu decisão no dia 19 de Março de 2019, na qual apontou que o art. 809.º do Código Comercial considera que, o hospedeiro é responsável pela morte ou lesão corporal sofridas pelo hóspede ou pelos seus acompanhantes, durante o período de permanência destes dentro da pousada e seus acessórios, salvo se resultarem de causa que não lhe seja imputável. Nesta causa, foi confirmado que A se suicidou por enforcamento e que não houve homicídio. Deste modo, foi excluída a sua responsabilidade civil; por conseguinte, foi rejeitado o pedido de indemnização formulado pelos Autores.

Discordando da decisão, os Autores interpuseram recurso junto do Tribunal de Segunda Instância, argumentando que o Tribunal a quo nunca podia ter chegado à conclusão de que o enforcamento fora motivado por suicídio, pois que não tinha elementos probatórios bastantes; por outro lado, não podia ter chegado àquela conclusão no processo cível de indemnização antes de ser proferida a decisão final na lide penal e daí excluir a responsabilidade civil da Ré.

O Tribunal de Segunda Instância conheceu do recurso.

Apontou o Tribunal Colectivo que, da decisão sobre a matéria de facto no acórdão proferido pelo Tribunal a quo em que se indicava: “sobre a causa e a hora da morte de A, a convicção do Tribunal resulta do teor do certificado de óbito e do depoimento do guarda da segurança que era o primeiro a deslocar-se ao quarto (vendo-a pendurada na casa de banho do quarto de hotel), conjugado com o depoimento dos agentes da PJ (que opinaram, por sua experiência na área de investigação criminal, por vestígios deixados no local, ser provável que a mesma se suicidou por enforcamento), e, ainda, o teor da sentença absolutória proferida no Tribunal em primeira instância”, não se verificara a questão de insuficiência de prova.

Por outro lado, os recorrentes defenderam que era necessário aguardar pela decisão final da causa penal. Quanto a esta questão, o Tribunal Colectivo referiu que, segundo o disposto no art.º 223.º, nº 1, do CPC: “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”. Primeiro, a suspensão da instância é um poder discricionário e não um dever. Segundo, a lide penal indicada pelos recorrentes julgou apenas a responsabilidade penal dos 4 arguidos, relativamente à prática, contra A, de um crime de usura para jogo e de um crime de sequestro, averiguando a causalidade entre a privação da liberdade e o suicídio da vítima e não tendo, como objecto, a averiguação se a morte da vítima resultou de um suicídio ou de um homicídio. Pelo expendido, o processo criminal não foi a causa prejudicial desta acção cível e o juiz não precisava de aguardar pela decisão definitiva do processo criminal.

Em face do exposto, o Tribunal Colectivo julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base.

Cfr. Acórdão do processo n.º 958/2019 do Tribunal de Segunda Instância.