Num caso de tráfico de droga em que foram envolvidos vários arguidos, A responsabilizava-se pelo controlo da venda de droga e pelo transporte do produto do tráfico de droga para Hong Kong aquando da ausência de Macau dum outro arguido do mesmo caso, C. Na intercepção de A, a Polícia encontrou, na posse deste, o produto do tráfico de droga. B responsabilizava-se pela prestação de auxílio a C na prática do tráfico de droga em Macau e, quatro vezes, se deslocara, juntamente com C, a vários lugares para a prática do tráfico de droga. Após o julgamento, o Tribunal Judicial de Base condenou: A, pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa, na sua execução, por 4 anos, bem como lhe foi interdita a entrada na RAEM, por um período de 6 anos; B, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de produção e tráfico de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão e, pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, na pena de 4 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos dois crimes, foi o mesmo condenado numa pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa, na sua execução, por 3 anos.
O Ministério Público recorreu das decisões, relativas a A e B para o Tribunal de Segunda Instância, uma vez que não concordou que o TJB concluísse que A apenas praticara, na forma tentada, o crime de tráfico de droga, sem ter havido prova material que demonstrasse ter A iniciado, em substituição de C, o controlo da venda de droga e o transporte do produto do tráfico de droga para Hong Kong, e que C ainda não abandonara Macau; e não concordou que o TJB tivesse passado a condenar B pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, sem haver confirmado a quantidade de droga detida por B.
Antes de mais, o Tribunal Colectivo do TSI conheceu da questão da tentativa da comparticipação do crime de tráfico de droga. Segundo o Tribunal Colectivo, o crime de tráfico de droga é um crime contínuo, não ficando limitado ao acto de tráfico de droga. Considera-se consumado o crime quando um elemento do plano criminoso tenha praticado um acto em todo o processo do tráfico de droga, enquanto um acto não praticado não será considerado, particularmente, como tentativa. A característica principal da comparticipação consiste em que cada comparticipante tem uma vontade comum, relativamente ao acordo do acto criminoso e à cognição criminal. Face ao crime, co-autoria (incluindo autoria moral e cumplicidade) tem a natureza de dependência. A incriminação de cada participante depende dos factos praticados por terceiro. Considera-se inexistente um co-autor que, outrossim, praticou parte do crime, se não houver um outro co-autor que realize parte do crime cometido pelo co-autor anteriormente referido. As actividades de dois participantes constituíram (em conjunto) o conceito jurídico de crime. Só não se verifica comparticipação quando a conduta dum determinado arguido não tenha a natureza de dependência do crime supra mencionada, e seja uma conduta de vontade autónoma. A comparticipação não exige a participação de cada arguido em todos os actos do plano criminoso, pois um arguido terá de assumir a plena responsabilidade pelo integral acto criminoso, desde que se verifique a determinação da comparticipação criminosa, mesmo que o arguido apenas tenha praticado parte dos actos do plano criminoso. Assim, como o Tribunal a quo concluiu que os arguidos praticaram, em comum acordo, dividindo tarefas entre si o ora acto criminoso, o mesmo Tribunal deveria e teria de concluir que, a partir do momento da detenção do produto do tráfico de droga por A e do momento da prestação de auxílio por B a C na prática do tráfico de droga, A e B se tornaram participantes da actividade criminosa tratada no caso vertente, participando formalmente no acto do tráfico de droga em causa. O Tribunal a quo não devia excluir a co-responsabilidade de A e B pelo tráfico de droga por falta de prova que demonstrasse a existência do contacto directo entre A e os estupefacientes, e por desconhecimento da quantidade de droga traficada por B.
No que concerne ao apuramento do crime de tráfico de menor gravidade, indicou o Tribunal Colectivo que os arguidos eram uma comunidade criminosa, pelo que, segundo o princípio da “total responsabilidade por parte do acto”, a quantidade total de droga encontrada na posse dos demais arguidos deveria ser considerada como droga detida em conjunto pela organização do tráfico de droga inteira, e não se deveria excluir essa solução só por não se conseguir averiguar a quantidade de droga detida por B, não se verificando assim os pressupostos de facto que levaram o Tribunal a quo a concluir que B praticara, autonomamente, o crime do tráfico de menor gravidade.
Face ao expendido, acordaram no TSI em conceder provimento ao recurso interposto, passando A a ser condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, na pena de 6 anos e 9 meses de prisão; e B a ser condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessa pena e da aplicada ao crime de consumo de droga, sendo o mesmo condenado numa pena de 5 anos e 8 meses de prisão, bem como ser-lhe interdita a entrada na RAEM, por um período de 6 anos.
Cfr. Acórdão do processo n.º 1215/2019 do Tribunal de Segunda Instância.