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O Tribunal de Segunda Instância anulou o despacho do ex-Chefe do Executivo que aplicou à ex-dirigente do Instituto Cultural a suspensão de 30 dias


Por despacho do Chefe do Executivo de 29 de Março de 2018, foi instaurado processo disciplinar contra A, por ter contratado, aquando do exercício do cargo de dirigente do serviço no Instituto Cultural, por ajuste directo e com dispensa de consulta, trabalhadores através de “acordo de prestação de serviços” ao abrigo do DL n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro. O instrutor concluiu o relatório final no dia 29 de Março de 2019 e apresentou-o ao Chefe do Executivo, reconhecendo que A violara o dever de zelo e os deveres específicos a que está sujeito o pessoal de direcção e chefia. Em 2 de Abril de 2019, o Chefe do Executivo proferiu despacho com base neste relatório final, ordenando a aplicação a A da pena disciplinar única de 30 dias de suspensão.

Inconformada com o despacho punitivo, A interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância; imputou ao despacho recorrido falta de fundamentação, erro no reconhecimento de facto, erro na aplicação da lei e violação do princípio da proporcionalidade e, em consequência, entendeu que o despacho recorrido incorrera no vício de nulidade ou anulabilidade, pedindo para declarar nulo ou anulado tal despacho.

O TSI conheceu do caso.

Em relação à falta de fundamentação, o Tribunal Colectivo apontou que o acto recorrido não indicava em que alínea do n.º 2 do art.º 314.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (adiante designado por ETAPM) é que as infracções disciplinares de A se integravam, mas isso não equivalia à falta de fundamentação. Em termos de técnica legislativa, o n.º 2 do art.º 314.º do ETAPM adoptou a forma exemplificativa, ou seja, o legislador apenas enumerou, como exemplo, uns casos que revelem culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, pelo que não são só os actos enumerados que constituem os casos previstos no n.º 1 do mesmo artigo. É verdade que as infracções disciplinares de A não correspondiam a qualquer um dos casos enumerados no n.º 2 do art.º 314.º do ETAPM, pelo que não se podia exigir que o acto recorrido indicasse claramente qual alínea do n.º 2 é que foi. Entendeu o Tribunal Colectivo que já foi cumprido o dever de fundamentação, previsto pelo art.º 114.º do CPA, improcedendo, assim, o recurso nesta parte.

Quanto à errada qualificação jurídica das infracções e ao erro no reconhecimento de facto, entendeu A que o acto recorrido reconheceu erradamente o seu desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, mas, na verdade, ela tem trabalhado com zelo, os serviços por ela prestados foram classificados e avaliados de “Satisfaz Muito” por várias vezes e foi nomeada, como dirigente, por causa do seu bom comportamento no trabalho. O Tribunal Colectivo julgou procedente o recurso nesta parte, indicando que é inegável que A, enquanto chefe da Divisão Administrativa e Financeira, mesmo que não tivesse formação jurídica, devia estar ciente das normas legais em matéria de pessoal e finanças e não podia agir apenas em conformidade com as “práticas consuetudinárias”, sendo, portanto, inquestionável a violação do dever de zelo, previsto pelo art.º 279.º, n.º 2, al. b), e n.º 4 do ETAPM, e dos deveres específicos a que está sujeito o pessoal de direcção e chefia, previstos pelo art.º 16.º, al. 2), do Regulamento Administrativo n.º 26/2009. Porém, tendo em conta que o IC adoptou o regime de contratação de prestação de serviços, previsto pelo DL n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro, desde a década de 90 do século passado; que os contratos foram apreciados por juristas e/ou notários privativos do IC; e que a recorrente não tem formação jurídica e estava convencida da adequação do regime do DL n.º 122/84/M à contratação dos respectivos trabalhadores, o Tribunal Colectivo não entendeu que as infracções em causa foram praticadas por desinteresse pelo trabalho, mas, ao contrário, devido à falta de conhecimento sobre as disposições legais e regulamentares; assim, devia aplicar-se-lhe a pena disciplinar de multa, conforme o art.º 313.º, n.º 1, e n.º 2, al. e) do ETAPM. Dito por outras palavras, o acto recorrido incorreu no vício de erro na aplicação da lei e deve ser anulado.

Face ao expendido, o TSI julgou procedente o recurso de A e anulou o acto recorrido.

Cfr. Acórdão do Processo n.º 419/2019 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

21/10/2020