O arguido A é irmão de B. Para fazer com que B pudesse reunir os requisitos (limite mínimo) do rendimento para a compra de fracções de habitação económica e que B e a mãe pudessem ter uma melhor fracção para habitação, A usou a impressora na sua residência para imprimir um certificado de trabalho da “Companhia XXX, Limitada”, assinou e carimbou esse certificado em nome de sócio C dessa companhia e entregou-o a B. De facto, A sabia bem que B não trabalhava na supracitada companhia. Em 15 de Julho de 2013, B foi notificado pelo Instituto de Habitação de que fora seleccionado para a aquisição de fracções de habitação económica e, a pedido do IH, apresentou o certificado de trabalho acima referido. No dia 25 de Setembro do mesmo ano, B celebrou com o IH o termo de compromisso para a aquisição e contrato-promessa de compra e venda de fracções de habitação económica, situadas na Estrada de Seac Pai Van, em Coloane.
O Ministério Público deduziu acusação contra A pela prática dos crimes de burla e de falsificação de documento. Após julgamento, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base decidiu: absolver o arguido A da prática, em autoria material e na forma consumada, dum “crime de burla” p. p. pelo art.º 211.º, n.º 4, al. a), e n.º 1 do CPM; e condená-lo pela prática, em autoria material e na forma consumada, dum “crime de falsificação de documento”, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. a), do CPM, na pena de sete meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano e 6 meses.
Inconformado com a absolvição do crime de burla, o MP recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso. Entendeu o Colectivo que o IH é um órgão do Governo e representa não só o interesse público, mas também o interesse de todos os outros residentes permanentes qualificados para a aquisição de fracções de habitação económica. O arguido, através da apresentação do certificado de rendimento falsificado, obteve a concessão de uma fracção de habitação económica, o que significa que o arguido não satisfez as condições da concessão, mas obteve a mesma que não merecia, podendo comprar a fracção de habitação económica a um preço, relativamente baixo. Tal enriquecimento sem causa prejudicou, não só o órgão do Governo, que sofreu um prejuízo indevido por vender a fracção construída ao arguido por um preço inferior ao valor do mercado (não se pode concluir pela inexistência de prejuízo com fundamento em que o IH deve vender, pelo mesmo valor, a fracção aos residentes de Macau qualificados), mas também a outros residentes, representados pelo IH em nome do Governo da RAEM, que eram qualificados, mas não conseguiram adquirir fracções de habitação económica a preços relativamente baixos, devido ao enriquecimento do arguido. Esse último prejuízo traduz-se na falta de obtenção do interesse devido e a perda de tal interesse constitui “benefícios que o lesado deixou de obter”, para além do “prejuízo” efectivamente causado, mencionado no art.º 558.º do Código Civil. Pelo que incorreu no erro na aplicação da lei e deve ser corrigida a decisão do Tribunal a quo que absolveu o arguido com fundamento na falta de verificação do requisito constitutivo do prejuízo patrimonial causado a outra pessoa.
Quanto à aplicação de qual alínea do art.º 211.º do CPM, tal depende ela da determinação do valor do enriquecimento sem causa obtido pelo arguido. Primeiro, o preço da fracção de habitação económica, adquirida pelo arguido, não pode servir de critério do cálculo, porque se trata de preço pago e não do valor do enriquecimento sem causa, que, por sua vez, deve ser a diferença entre o preço da fracção de habitação económica e o preço duma fracção equivalente no mercado. Segundo, conforme as regras da experiência, é certo e tem-se a certeza de que tal diferença é superior a MOP$150.000,00.
Com base nisso, o Colectivo do TSI passou a condenar o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, dum “crime de burla de valor consideravelmente elevado”, p. p. pelo art.º 211.º, n.º 4, al. a), e n.º 1 do CPM, na pena de 2 anos e 3 meses, e em cúmulo jurídico com a pena aplicada ao crime de falsificação de documento, na pena total de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 4 anos.
Cfr. Acórdão do Processo n.º 850/2018 do Tribunal de Segunda Instância.