O autor é um empresário comercial, pessoa singular, cujo objecto social é a promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino de Macau. Em 2010, a sociedade A (subconcessionária) celebrou com o autor um contrato de promotor de jogo, com vista a permitir ao autor explorar a sala de VIP, designada por “B Club”, bem como exercer as actividades de promoção de jogo e de concessão de créditos para jogo no seu casino. Durante a exploração, o autor concedeu várias vezes créditos aos apostadores de jogo. O réu que é jogador, pediu ao “B Club” que lhe emprestasse fichas mortas de jogo nos valores, equivalentes a HKD$5.000.000,00 e a HKD$1.000.000,00 para jogos de fortuna ou azar, e o autor entregou-lhe as fichas. Posteriormente, o réu devolveu ao “B Club” a quantia total de HKD$4.100.000,00 e, desde então, não devolveu mais.
O autor intentou acção no Tribunal Judicial de Base contra o réu, pedindo para o condenar a restituir-lhe todas as fichas mortas próprias do “B Club”, no valor de HKD$1.900.000,00 por nulidade do contrato de autorização de concessão de créditos para jogo e por nulidade do negócio jurídico de crédito. Por sentença do TJB, foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o réu a restituir ao autor todas as fichas mortas, próprias do “B Club”, no valor de HKD$1.900.000,00.
Inconformado, o réu recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.
O TSI conheceu do caso e indicou que, entre o autor e o réu, fora celebrado um contrato de empréstimo para jogo, cuja disciplina se encontra regulada no art.º 4.º da Lei n.º 5/2004 e no art.º 1171.º do Código Civil, enquanto a disciplina das obrigações naturais consta do art.º 396.º do mesmo Código. Daí que, no sistema jurídico de Macau, salvo se houver lei especial que o diga, as obrigações decorrentes de jogos de fortuna e azar não são fonte de obrigações civis, dando origem apenas a obrigações naturais. A diferença entre a obrigação civil e a obrigação natural reside na “exequibilidade”. Nos termos do art.º 398.º do Código Civil, a contrário, pode ser judicialmente exigido o cumprimento da obrigação civil, mas não o da obrigação natural. Apontou o TSI que, no caso sub judice, ficou provado que o mutuante não estava legalmente autorizado a fazer empréstimos para jogo. Porém, ao contrário do que referiu o Tribunal a quo, entendeu o TSI que tal empréstimo para jogo não é legalmente impossível ou contrário à lei, nem viola disposição legal de carácter imperativo, pelo que não enferma de nulidade, seja por violação do disposto no art.º 273.º ou do art.º 287.º ambos do Código Civil. Da conjugação do art.º 4.º da Lei n.º 5/2004 com o art.º 1171.º do Código Civil, pode retirar-se que o empréstimo para jogo feito por quem não esteja legalmente autorizado para o efeito não gera obrigações civis e só constitui uma obrigação natural que não pode ser judicialmente exigível, quer dizer, no caso concreto, pode o réu cumprir voluntariamente a respectiva obrigação natural, mas não pode o autor exigir o seu cumprimento coercivo.
Face ao exposto, o Tribunal Colectivo concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e absolveu o réu dos pedidos.
Cfr. Acórdão do Processo n.º 1239/2019 do Tribunal de Segunda Instância.