Na tarde do dia 27 de Abril de 2019, quando B, filho do Réu A, estava a brincar num espaço de diversões para crianças no 2.º andar do Mercado de São Lourenço, foi arranhado por D, neto da vítima C, com a mão direita, deixando um arranhão na sua face. Para isso, A exigiu a D que procurasse os seus familiares para resolver o caso. Quando D levou A à casa de C, este saiu de casa para saber o que se passava. A pediu a C que pagasse as despesas médicas como indemnização por D ter arranhado B; porém, C recusou e disse que ia ligar para o 999 para pedir o tratamento da Polícia. Logo a seguir, A e C tiveram uma disputa, durante a qual, A desferiu socos, de forma contínua, na cara de C, sendo que um atingiu a parte esquerda do rosto e o outro a parte direita, mesmo nas zonas entre ambos os olhos e na zona da boca, o que o fez cair no chão e, quando caiu, bateu com a cabeça no altar e no incensório que se encontravam fora da fracção vizinha. Ao ver isso, A fugiu do local imediatamente e o caso foi comunicado à Polícia por pessoas que presenciaram os factos. C foi transportado para o Complexo Hospitalar Conde de São Januário mas, não resistindo aos ferimentos, acabou por falecer na manhã seguinte. Após autópsia, verificou-se que C morreu devido ao trauma causado aos vasos sanguíneos crânio-cerebrais e a perícia médico-legal apontou que a causa da morte fora homicídio. Por causa disso, A foi acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um “crime de homicídio qualificado” p. e p. pelos artigos 128.º, 129.º n.º 1 e n.º 2, alínea c), do Código Penal e os cinco peticionantes do pedido de indemnização civil pediram a A uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais no valor total de MOP$2.729.814,00.
Após conhecimento, o Tribunal Judicial de Base julgou parcialmente provada a acusação e condenou A na pena de 6 anos de prisão efectiva pela prática de um “crime de ofensa simples à integridade física agravada pela morte de outra pessoa”, p. e p. pelos artigos 137.º n.º 1, 139.º n.º 1, alínea a), e 140.º n.º 1, do Código Penal e no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante total de MOP$2.379.814,00.
Inconformado, o Réu recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso e manteve o acórdão recorrido.
Ainda inconformado, recorreu para o Tribunal de Última Instância e, limitando o seu recurso à “decisão crime”, assacou ao acórdão recorrido os vícios de “errada qualificação jurídica” e “excesso da pena”.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância conheceu do caso.
Quanto à errada qualificação jurídica, o Tribunal Colectivo referiu que impedido não estava o Tribunal de concluir que, sendo a vítima uma pessoa de idade, na altura dos factos, com 74 anos, perfeitamente possível e previsível era a sua queda e consequente a morte, em resultado de uma agressão como a que sofrera e, nesta conformidade, tendo o arguido agido da forma que agiu, adequado era que fosse pela mesma responsabilidade a título de “negligência”. O acórdão recorrido entendeu que censura não merece a decisão recorrida que, dando como verificado o indispensável “nexo de causalidade” entre a conduta do recorrente e o resultado da morte da vítima, confirmou a condenação nos termos descritos no artigo 137.º, n.º 1, e artigo 139.º n.º 1, alínea a), do Código Penal de Macau. Além disso, considerando que o acto do recorrente, isto é, se dirigiu a casa da vítima, teve única e exclusiva origem num “pequeno arranhão” na face de seu filho, que apenas deixou uma marca superficial na pele, causada pelo neto da vítima, enquanto brincavam num espaço de diversões, e que, na sequência de tal, o recorrente insistira e coagira o dito “agressor” a levá-lo à casa da vítima, evidente se apresenta que totalmente “fútil” foi o “motivo” de tanta agressividade, pelo que nenhuma censura merece a consideração do Tribunal a quo de que os actos do recorrente revelaram especial censurabilidade ou perversidade do agente, e também nesta parte se terá que negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão proferida.
No que diz respeito à medida da pena, o Tribunal Colectivo referiu que ao crime em questão cabe a pena de 2 anos e 8 meses a 10 anos e 8 meses de prisão e não o limite máximo de 11 anos e 8 meses de prisão, como certamente entenderam as instâncias. Ponderando a referida moldura penal, no preceituado nos artigos 40.º e 64.º do Código Penal de Macau que regulam a matéria da “determinação da medida da pena”, tendo presente a factualidade dada como provada e atendando-se, em especial, ao facto de que o recorrente é delinquente primário, tendo vida familiar, profissional e económica estabilizada e que, entretanto, após a prolação do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, efectuou o pagamento da indemnização em que foi condenado, demonstrando, assim arrependimento pela sua conduta, assim como vontade de reparar, na medida do possível, o “mal” por si causado, o Tribunal Colectivo entendeu que é mais justa e adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Pelo acima exposto, o Tribunal Colectivo julgou parcial provimento ao recurso, ficando o Réu condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, Processo n.º 90/2020.