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CCAC publica o “Relatório de investigação sobre os 74 processos de concessão de terrenos por arrendamento, a título provisório, em que foi declarada a caducidade das concessões”


O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) publica o “Relatório de investigação sobre os 74 processos de concessão de terrenos por arrendamento, a título provisório, em que foi declarada a caducidade das concessões”, no qual se concluiu que todos os concessionários dos terrenos envolvidos nos referidos processos não cumpriram, de forma efectiva, as cláusulas constantes dos contratos de concessão provisória por arrendamento, nem concluíram os projectos iniciais de aproveitamento dos terrenos ou os projectos aprovados para a sua alteração. Só depois de obterem as concessões provisórias dos terrenos é que os respectivos concessionários, com base em fundamentos diversos, solicitaram a modificação ou alteração da finalidade dos terrenos e a ampliação da dimensão e da altura dos edifícios a construir, no sentido de encontrar uma possibilidade de maximização dos seus interesses, sendo este comportamento manifestamente contrário ao princípio da boa fé nas relações jurídicas contratuais. Por outro lado, a Administração Pública declarou a caducidade das concessões dos respectivos terrenos por factos imputáveis aos concessionários ou pelo mero facto de o aproveitamento dos terrenos não ter sido concluído até ao termo do prazo de arrendamento, a este respeito, o CCAC entende que não se verifica qualquer ilegalidade ou irregularidade administrativa. Para além disso, as acusações contra a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), relativamente a atrasos ou impedimentos da conclusão do aproveitamento de terrenos, não são procedentes nem podem ser fundamento justo para sustentar uma alteração da nova Lei de Terras, designadamente no que respeita ao regime de declaração de caducidade das concessões de terrenos. Ainda assim, a DSSOPT não cumpriu, no passado, as suas responsabilidades de tomar iniciativa de fiscalização e acompanhamento relativamente à situação do cumprimento dos contratos de concessões provisórias dos terrenos por parte dos concessionários, nem executou atempadamente o regime legal relativo à declaração da caducidade das concessões de terrenos, o que levou a sociedade a pensar que o Governo nunca iria recuperar os terrenos, tornando-se assim os terrenos desaproveitados numa das questões sociais.

A Administração Pública começou, a partir de Março de 2010, a rever individualmente os casos em que o aproveitamento de terreno não foi concluído dentro do prazo de aproveitamento definido no contrato ou em que o prazo de arrendamento do terreno já expirou. E a partir de 2015, foi declarada sucessivamente a caducidade da concessão dos vários terrenos. Posteriormente, verificaram-se afirmações públicas, por várias vezes, através dos órgãos de comunicação social, de que é irrazoável a disposição da Lei de Terras, segundo a qual caduca imediatamente a concessão quando não for concluído o aproveitamento do terreno até ao termo do prazo de arrendamento, pelo que foi solicitada à Administração Pública uma alteração à Lei de Terras. Em resposta à solicitação do então Chefe do Executivo, o CCAC procedeu à respectiva investigação, analisando globalmente os 74 processos de concessão de terrenos cuja caducidade da concessão foi declarada, consultando, a saber, mais de mil volumes dos processos da concessão dos terrenos, de planeamento arquitectónico e de obras, tendo ouvido o depoimento e esclarecimentos dos respectivos trabalhadores e, a par disso, foi feita também uma comparação com os regimes jurídicos das regiões vizinhas. Tudo com vista ao apuramento da existência, ou não, de ilegalidades ou irregularidades administrativas nas decisões de declaração da caducidade das respectivas concessões de terrenos.

No relatório, o CCAC procedeu à análise sintética, por tabelas classificativas, dos prazos de aproveitamento e de arrendamento dos terrenos dos 74 processos, verificando-se que os prazos de aproveitamento e de arrendamento de todos os terrenos já expiraram, sucessivamente, durante a vigência da antiga e da nova Lei de Terras sem que tivesse sido concluído o respectivo aproveitamento dos terrenos. O CCAC fez uma comparação entre as disposições da nova e da antiga Lei de Terras, considerando que as duas leis são basicamente idênticas no tratamento dos casos de concessão por arrendamento de terrenos. A disposição da nova Lei de Terras, segundo a qual a não conclusão do aproveitamento do terreno após o termo dos prazos de aproveitamento e de arrendamento do terreno determina a caducidade da concessão do terreno já existe há muito tempo e não se trata de uma nova disposição, a questão reside apenas na força da execução da lei.

O CCAC considera que, todos os concessionários dos terrenos envolvidos nos processos em causa não cumpriram as cláusulas dos contratos de concessão provisória por arrendamento, sendo que alguns deles solicitaram a alteração do aproveitamento do respectivo terreno, ou atrasaram-se na apresentação, aos serviços competentes, do projecto de arquitectura relativo ao aproveitamento do terreno, e outros houve que não deram seguimento, activamente, ao projecto de arquitectura apresentado, sendo que o ponto comum a todos reside no facto de não terem conseguido concluir o projecto inicial de aproveitamento do terreno. Só depois de obter a concessão provisória do terreno é que o respectivo concessionário, com base em fundamentos diversos, solicitou, uma ou mais vezes, a modificação do aproveitamento do terreno ou a alteração da sua finalidade, sendo que quase nada dos projectos de arquitectura inicialmente apresentados correspondia ao estipulado nos respectivos contratos iniciais de concessão. Este comportamento de incumprimento das obrigações contratuais é manifestamente contrário ao princípio da boa fé nas relações jurídicas contratuais, e até mesmo a conduta de alguns concessionários dos terrenos revela claramente o seu desinteresse em cumprir as obrigações estipuladas no contrato inicial de concessão provisória por arrendamento, os concessionários tentavam apenas, através de constantes solicitações à Administração Pública para alterar a finalidade dos terrenos, ampliar a dimensão e a altura dos edifícios a construir, para encontrar uma possibilidade de maximização dos seus interesses.

Em relação ao surgimento de dúvidas na sociedade quanto ao adiamento, por parte da DSSOPT, na apreciação e na aprovação dos pedidos, o que teria feito com que os concessionários dos terrenos não conseguissem concluir o aproveitamento de terrenos dentro dos prazos de arrendamento previstos, o CCAC entende que essas acusações não são procedentes. O CCAC refere que, todos os casos resultaram do facto de os concessionários não terem apresentado, atempadamente, projectos de arquitectura que satisfizessem, pelo menos, as cláusulas originais dos contratos da concessão, ou do facto de os concessionários não terem procedido, atempadamente, ao devido acompanhamento após a apreciação e aprovação dos seus projectos por parte da DSSOPT. Para além disso, sempre que os projectos de arquitectura apresentados pelos concessionários dos terrenos não estejam, manifestamente, em conformidade com as exigências iniciais, a DSSOPT necessita de proceder a um novo estudo sobre o planeamento urbanístico, sendo inevitável um maior gasto de tempo na consulta de opiniões de outras entidades competentes. Isto não significa que a DSSOPT tenha adiado a apreciação e aprovação dos projectos, antes pelo contrário, é a violação manifesta das condições iniciais do contrato de concessão provisória pelo concessionário que provocou atraso no aproveitamento dos terrenos.

O CCAC indica que, quer a nova, quer a antiga Lei de Terras, dispõem que compete aos concessionários de terrenos pedir a modificação do aproveitamento dos terrenos ou a alteração de finalidade dos terrenos, existem todavia algumas limitações aplicáveis. Nos termos do artigo 107.º da antiga Lei de Terras, a autorização, ou não, de tais pedidos de concessionários depende da discricionariedade da Administração Pública, uma vez que ao deparar-se com um pedido com intuitos especulativos, a Administração Pública deve indeferir o pedido nos termos da lei. Por outro lado, os artigos 140.º e 141.º da nova Lei de Terras dispõem expressamente sobre a alteração de finalidade da concessão e modificação de aproveitamento do terreno exigidas pela alteração do planeamento urbanístico. Para além disso, quer a nova, quer a antiga Lei de Terras, regulam também que, os concessionários dos terrenos têm o dever de concluir o aproveitamento do terreno dentro do prazo de aproveitamento fixado inicialmente ou do prazo prorrogado. Mesmo que os projectos de arquitectura apresentados não sejam aprovados, não é interrompida nem suspensa a contagem do prazo de aproveitamento do terreno, a não ser que os concessionários tenham apresentado o respectivo pedido. Assim, só a partir do momento em que a Administração Pública acabou por executar efectivamente as disposições da Lei de Terras relativamente à declaração da caducidade de concessão dos terrenos é que os concessionários dos terrenos tentaram aproveitar o facto de se registarem atrasos na apreciação e aprovação dos projectos por parte da Administração Pública, e o facto de não cumprimento das responsabilidades da Administração Pública no âmbito do planeamento urbanístico ou das infra-estruturas, como causas de excepção, no sentido de justificar o não cumprimento das obrigações que sobre eles recaía, no que respeita ao aproveitamento dos terrenos constantes dos contratos de concessão. O CCAC considera que tais explicações são inconvincentes.

Segundo o relatório do CCAC, houve falta de rigor na fiscalização, por parte da DSSOPT, no que diz respeito ao cumprimento dos contratos de concessão de terrenos, referindo que a DSSOPT não cumpriu, no passado, as suas responsabilidades de tomar iniciativa relativamente à fiscalização e ao acompanhamento da situação do cumprimento dos contratos de concessões provisórias dos terrenos por parte dos concessionários, nem acompanhou, atempadamente, as situações em que os respectivos terrenos poderiam reunir condições que preenchiam os requisitos das disposições legais relativamente à caducidade das concessões provisórias, fazendo assim com que muitos terrenos ficassem desaproveitados durante muito tempo por não terem sido utilizados adequadamente. Estas situações suscitaram, na sociedade, muitas dúvidas negativas sobre os trabalhos da gestão de terrenos por parte do Governo, situação essa que merece uma profunda reflexão e revisão por parte das autoridades competentes.

O CCAC salienta que o contrato de concessão por arrendamento de terreno não é um mero contrato civil, tendo a natureza de contrato administrativo. A Administração Pública tem os poderes de fiscalização e punitivo para fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais das concessões por arrendamento de terrenos por parte dos concessionários. No entanto, o CCAC constatou que, nos vários processos de concessão dos terrenos, existiam situações em que em que parecia que os concessionários ocupavam a posição predominante. Muitas vezes, quando os concessionários apresentaram pedidos de alteração da finalidade dos terrenos ou de modificação do aproveitamento dos terrenos, entre outros, conseguiram a realização de análises e estudos por parte da DSSOPT, sendo raro que tivesse sido tomada, desde logo, uma atitude firme relativamente ao indeferimento dos pedidos que não preenchessem os necessários requisitos. O CCAC considera que a Administração Pública deve fazer uma revisão no sentido de procurar desempenhar bem o seu papel predominante nos contratos de arrendamento de terrenos, acompanhando e fiscalizando, de forma atempada e empenhada, o cumprimento das obrigações estabelecidas nos contratos de concessão dos terrenos por parte dos concessionários, adoptando medidas adequadas e uma atitude transparente, com vista a salvaguardar o interesse geral da população de Macau, aperfeiçoando a fiscalização e gestão do aproveitamento dos solos, indeferindo expressamente os pedidos que não estejam em conformidade com a lei ou com a intenção original dos contratos de concessão, por forma a assegurar que os recursos dos solos de Macau possam ser aproveitados de forma eficaz e completa, nos termos da nova Lei de Terras e das cláusulas dos contratos de concessão.

O CCAC sugere também, no relatório, que a Administração Pública deve ponderar, simultaneamente, o equilíbrio entre o interesse público e o interesse privado, sobretudo, deve ter-se como objectivos primordiais para aprovação o aproveitamento pleno e oportuno dos recursos dos solos e o desenvolvimento urbano sustentável.

O CCAC refere ainda que as 74 decisões sobre a concessão dos terrenos em causa foram tomadas pelo Governo de Macau ainda sob administração portuguesa, sendo que algumas concessões provisórias por arrendamento foram concedidas com dispensa de concurso público sem que se tenha encontrado nenhuma justificação para tal nos pareceres, e sem sequer se ter invocado para tal qualquer disposição legal pertinente. O CCAC reforça que o concurso público deve ser a normalidade e a concessão directa uma excepção. A Administração Pública, no desenvolvimento dos procedimentos de concessão provisória de terrenos no futuro, deverá cumprir com o disposto na nova Lei de Terras, segundo a qual a concessão provisória é precedida de concurso público, e só quando estiverem preenchidos os pressupostos específicos pode ser dispensado o concurso público. Para além disso, deve ser cumprido atempadamente o disposto no artigo 166.° da nova Lei de Terras, ou seja, caso o concessionário não conclua o aproveitamento do terreno dentro do prazo de aproveitamento do terreno, sem ser necessário provar a sua culpa, pode ser iniciado um estudo sobre a exequibilidade da aplicação do respectivo mecanismo sancionatório, incluindo a aplicação de multa e a declaração da caducidade da concessão provisória por arrendamento; por outro lado, quando expirar o prazo de arrendamento do terreno, deve ser obrigatória a declaração de caducidade de concessão provisória por arrendamento do terreno, por forma a libertar os direitos do terreno em causa, para que o mesmo possa ser aproveitado novamente. Só assim será feita uma aplicação atempada e correcta da lei e os interesses relativos aos recursos públicos podem ser salvaguardados eficazmente.

O relatório já foi submetido ao Chefe do Executivo para efeitos de referência. O texto integral encontra-se disponível para download na página electrónica do CCAC.